Desci a espiral de Dias-Pino. Percorri os degraus apressada para escorregar lentamente entre suas palavras, proferidas em um círculo de fumaça que tão rápido se dissolve. Mas sua imagem está impregnada em todas as portas que olho, no alfabeto que aprisiona, nos códigos, signos e símbolos que regem a sociedade.
Desci a espiral de Dias-Pino. E suas palavras martelam. “Só a arte perdura”.
Nada está pronto e acabado. A arte é processo. “Não digo que faço obras de arte. A arte nunca acaba. Eu faço projetos, sempre em aberto, sem conclusão”. Por que a arte não tem conclusão, a vida não tem conclusão.
E Wlademir aproveita seu estar e viver no tempo para não parar de produzir. Seus projetos seguem em transformação, e ganham outras vidas além da sua para adquirir novos sentidos.
Desci a espiral de Dias-Pino. E ele junto com Regina Pouchain, ficam meio estupefatos ao perceber que os alunos não conseguem intervir na exposição. A ideia é que todos os visitantes pudessem mexer em um painel para transformar palavras em poesia. Para além de Dias-Pino.
É a mesma cidade, essa mesma Cuiabá, do Sol quente, do cerrado em paisagem, do tempo devagar, devagarinho, que Dias-Pino e o poeta bugrinho, Silva Freire transformaram madrugada adentro ao distribuir o jornal Sarã produzido na gráfica do pai de Wlademir.
É a mesma Cuiabá, com as veias que correm quentes em sangues revolucionários. É o mesmo Wlademir, doutor honoris causa, criador do logotipo da UFMT, a gota da água que se expande ao infinito que é o conhecimento. Aqui aonde nasceu seu poema-processo, o intensivismo, aqui aonde criou as obras que não se acabam.
Desci a espiral de Dias-Pino. Na primeira entrevista com ele, quando recebeu o título da Federal e criticou abertamente a então reitora por não cuidar do acervo de Estevão de Mendonça, que está trancafiado em uma sala da universidade sem ver a luz de sua Cuiabá, ele citou o escritor e historiador, “morrer em Mato Grosso é morrer duas vezes, porque é um silêncio aterrador”. O silêncio aterrador trancafiado em uma sala.
Não consigo parar de tentar descrever o quanto foram fortes suas impressões em mim. Desci a espiral de Dias-Pino e do fim voltei ao começo, para reconstruir. Wlademir conta uma história circular em sua entrevista, e agora quem está estado de estupefação somos nós, meio boquiabertos, tentando absorver toda a magia daquele quadro colorido. “Só a arte perdura”.
Ele conta a história do ser humano, da sociedade, da evolução, arte, política. Processo. Poema-processo. Wlademir do alto dos seus 89 anos, consegue ver o que não vemos. O passado, o presente e o futuro. E Wlademir está temeroso. Para ele, sempre há investimentos grandes na cultura antes de tempos sombrios.
Crescer em uma gráfica pode ter transformado a visão do mundo da criança que se tornou adulto, e que buscou seus próprios significados, sem se importar muito com todas as classificações a que querem nos amarrar, catalogados como produtos de supermercados. “Nunca vendi um quadro”. Wlademir só quer o processo que seu tempo permite, para criar e recriar o que entendem por arte.
Um livro inteiro em que o poema “sólida solidão só lida sol saído da lida do dia” monta e se remonta ao longo das páginas. Um livro ave. A arte que sai do papel. A arte que é tudo, objetos, pessoas, modificações, arte é o que o poeta nomina. “Para o poeta cadeira não é cadeira”. E de lá para cá, se passaram uns 50 anos.
O que antes Wlademir fazia na gráfica do pai ao brincar com os logotipos de impressão, agora é feito na tela lcd de um computador de última geração, que transforma a sua imaginação em arte gráfica. Neste processo conta com ajuda do sobrinho que traduz os algoritmos criativos do tio.
“O código aprisiona”. O alfabeto é um código, é uma prisão. E por isso romper com aquilo que entendem por poema, por arte, por signos, símbolos. Wlademir é sangue revolucionário, é o raro tipo de pessoa que não se amarra às convenções impostas pela sociedade. Wlademir é a ave que se liberta da caixa, do livro, e abre voos mais altos que os de Ícaro ao Sol.
Desci a espiral de Dias-Pino. Desci e voltei ao começo. Todo o percurso descrito em seu “Poema Infinito” no Museu de Arte do Rio (MAR). A espiral de Dias-Pino. Desci e voltei ao começo. Subi e retomei o fim. Seus olhos ainda brilham incandescentes a vontade de transformar pela arte.
Ele não se importa com todo o louvor quando percebem que alguém raro vive entre nós. Enquanto palavras e mais palavras tentavam amontoar sentidos em discursos vazios sobre a importância de sua arte, Wlademir estava sentado na plateia. Um anônimo. Um desconhecido para o público. Um rosto misterioso entre os demais. Estas formalidades não lhe cabem. Wlademir é grande demais para encenar. Wlademir é grande demais para se esconder atrás de máscaras.
Desci a espiral de Dias-Pino e ainda não digeri tudo o que existe sobre ele, não chorei todas as lágrimas das emoções que me causou, não processei toda a transformação que fez dentro de mim.
Desci a espiral de Dias-Pino e ainda tenho muito por dizer, porque o fim é começo e tudo é processo. Poema-processo. Wlademir é assim: intensivismo, para sentir que a arte é a vida em movimento.
Não há como voltar ao que era antes de ver seu rosto descer e subir sua própria espiral.
Desci a espiral de Dias-Pino e não cheguei sequer ao começo.
Wlademir Dias-Pino é sagrado segredo do que é degredo em arte palavras são pequenas gotas nesse marzão, Marianna como Sísifo arredio buscando a poesia no jornalismo, (isso é jornalismo).
[…] Nos conectamos ainda mais em nossa primeira ida ao Rio de Janeiro para acompanhar a exposição Poema infinito no Museu de Arte do Rio […]