Seus passos eram lentos e a levavam contra as pessoas que caminhavam apressadas. Passavam por ela como se não a vissem, mas sem se importar com quem quer fosse, continuou com seus passos miúdos a riscar a Rua do Meio.
Era dia de festa. 8 de abril. Aniversário de Cuiabá. A cidade mais quente do centro-oeste.
A cidade toda estava indo para a praça Alencastro, com a igreja imponente a marcar o compasso do tempo que escorria pelos seus ponteiros. O tempo era sempre igual. Aquele céu azul riscado de nuvens brancas esparsas, a formar sonhos em candeeiros com o cair da noite.
O calor reverberava pelo concreto cinza. Não tinha motivos para festejar, pensava. Estava tudo errado. Ninguém conhecia verdadeiramente a sua Cuiabá, com poesia a descer as torrentes águas de seus rios.
Mas isso ninguém via, e sua frustração era maior ao tentar expressar toda a emoção que estas histórias lhe traziam e perceber que não conseguiria mostrar com seus olhos aquilo que não poderia ser palavra.
Continuou a andar e então viu uma mulher de calças com uma trouxa na cabeça, pitando um cigarro com o semblante sério, passou por um homem com um saco de estopas a recitar poemas em pequenos pedaços de papel, e então se deparou com muitos outros rostos que se delineavam em lendas, mitos e memória.
Percorreu as ruas tortas e estreitas, observou de perto a beleza dos casarões antigos, com suas janelas altas, e seu ar de mistério lírico. Segredos guardados que não chegam à luz deste Sol quente. Enquanto divagava em suas próprias divagações viu um velho senhor dependurado no parapeito da janela com a madeira pintada de um vermelho vivo.
Com a mão a segurar a cabeça em um característico gesto de tédio, assistia ao ir e vir das pessoas na rua movimentada, um espectador da vida que não lhe pertencia, do tempo que estava a lhe fugir por todos os poros. Sua imagem ficou gravada como uma fotografia que nunca conseguia tirar.
Chutou algumas pedrinhas minúsculas na rua de paralelepípedos imensos enquanto a fanfarra fazia ecoar o som da festa aos quatro cantos de Cuiabá. Não via porque comemoravam se não podiam ver com seus olhos, que dilaceraram sua musa inspiradora, a cortaram ao meio, e fizeram suas veias pulsarem o sangue quente que escorre do ouro de todas as vidas ceifadas.
A cicatriz aberta. E seu tempo que passava devagar retrocedeu ainda mais. As obras como monumentos mortos de um sonho que não pertence a ninguém. É tudo cinza. Pensava nas duas mil árvores que foram mortas, derrubadas. Pensava no bosque que cedeu ao concreto para construírem uma rua sem saída. Pensava em toda a paisagem sendo dominada pelo cinza que crescia imponente em uma tentativa impotente de se apagar o que nunca se apaga.
Mas sabia que era inútil, sua revolta seria só sua, não externada ao mundo estaria presa em seu peito a queimar sua alma com as palavras não ditas. Queria contar a história da cidade que descobrira sem a ajuda de ninguém, enquanto peregrinou por lembranças que não lhe pertenciam.
Só podia esperar que um dia a vissem com os mesmos olhos de poesia solitária, que sentissem a magia do calor que fervilha todas as ideias. E que mesmo no centro geodésico da América Latina, são poucos os corações que nascem ou vivem em celebrar aquilo que se é: Cuiabá, cosmopolita, moderna, antiga, tradicional, revolucionária, tantas caras, tantos anos. 297 motivos por você.