Quis o destino que minha publicação de número 300 no Cidadão Cultura fosse sobre o Irigaray, clovito, Clóvis Hugueney, bugrinha, xana, star, e mais tantos outros nomes que ele inventava. Existem mortes e mortes. Mortos e mortos. Xana faz chover na grande morada mística do poeta. Eita gigantes de todas as terras erguei um brinde a esse super Ser star. Ergam um brinde para a lucidez e para a beleza, sem ornamentos, de profundis, na cara do cara que joga na cara o puritanismo o ceticismo a caretice a arte ornamental e mera decorativa.

Clovito era além gênero desligou-se disso de rótulos de padrões de regras emitia uma potente poética com o corpo com a própria experiência de Star nesse mundo. Impenetrável quase insondável em si mesmo ensimesmado ficava quieto a observar as coisas da vida e das pessoas com um olhar de condescendência de complacência de distanciamento

Obra de Clovis Irigaray

Notas soltas aqui vão compondo esse mosaico de lembranças e memórias profundas em camadas de trocas além da física além da matéria ele celebrava a liberdade e se entranhava num caminho sem volta colocando a cara na frente do processo nas vestes esvoaçantes tal um habitante do deserto das alminhas

Mesmo tendo nos visto tão pouco nos últimos anos era confortável saber que estava ali, encantado no seu canto.

Ahhhh Irigaraaaaa aiiiiiii você era um irmão irmã xamã

Você já estava longe há tempos longe de quase todos, tão perto de Maria

Desde sempre com Maria

Maria das dores nossa senhora das flores

Salve salve! Seu rosto dança sob meus olhos ávidos por materializar esse instante dança leve com as borboletas no fundo do terreiro

Tantas histórias…sinto saudade sinto dor alegria vazios

Percepções e sentimentos trans mutantes avoa avoa

Tudo parece menor nesse instante. Sinto a bruteza do inalcançável quando quero falar de você.

o jejum engasgado na garganta do pássaro. Só me resta cantar.

Sobre a obra sobre a arte sobre tudo arte, sem dogmas, sem regras, sem perpetuações, sem fórmula, sem pressão, arte livre que foi mudando ao longo da carreira, mas vejo algo mais próximo de Dadaístas do que popistas, expressionistas, hiper-realistas. Não dá para imaginar irigarai lá parado no realismo fotográfico profético das xinguanas

Irigaray transitava pelo universo indígena para criar suas composições

Falar de prêmios? Falar de Salões? Ou do artista que foi para a rua. Abandono das convicções mais enraizadas, não, ele não queria ser tachado REGIONAL. Regional é o caralho. Sou universal maldito benquisto tanto faz mas eu vou. E as ruas ganharam um profeta louco e lindo a bailar pelas ruas escaldantes do inferno de dante tal qual uma beatriz a galgar passos na direção dos céus.

A obra? Ahhhh deixa pra lá. Isso os historiadores fazem os jornalistas os experimentalistas as tribos que se querem definidos. Deixa pra lá. Vamos brincar de linguagem.

Cena 1 – Antonio Sodré no embalo da rádio pirata PX 110 Mhz. Ano de 1987, Externa. Cuiabá. A urbe se prenuncia. A cidade muta mutantis. Os atores escalados para o filme além de antonio e Hirigaray eram Maria Ribeiro, André Balbino e o bando Caximir.

Cena 2 – Interior quarto de pintor de alto Araguaia mato grosso. Clóvis clovito irigaray. Bugrinha. Xana star.

Plano de detalhe, mão do pintor frenética descontrói obra belíssima borra risca rompe rusga ele entra no filme assistindo o próprio filme. Maria Ribeiro Margô (conterrânea dele de alto Araguaia) anda pela cidade a iluminar novas figuras que emergem dos subterrâneos. Underground.

Simbologia indígena era presença perene nas obras de Irigaray

Corte

Teatro teatro final dos anos 60 começo dos 70 clóvis cria uma dramaturgia absurdamente ousada inventa Hotel das estrelas. Prototeatro de vanguarda pré grupo de risco com seu Capote – Gogol nas beiradas do Centro Oeste ousado do Brasil de chico amora e lorenzetti falconi.. Riscando vanguardias no chão do Mato. Junto com Humberto espíndola fazem um estrago na cena bem comportada. Humberto também foi a Bienal de Veneza nessa época. Esses rapazes praticavam ousadias. Ainda tinha Aline e João sebastião, formaram um quarteto implacável a provocar arte por aqui. Mas clovito rechaçou tudo dispensava tutelas repelia direções que não aquelas que encontrou nos caminhos abertos dos grandes horizontes de mt longínquo vastos azues blues pra voar

Os indígenas repousaram ali nos braços de irigaray nos traços que riscou no próprio corpo corporificando a simbologia indígena para além dos símbolos e dos signos era coisa entranhada internalizada lá dentro como corpo e arte no mesmo gesto

A paisagem urbana cuiabana nos anos de 1980 é testemunha de um de seus filhos mais diletos, clovito incorpora o rock o punk o audiovisual é tema de filmes capa de disco frequenta shows ao lado de valderez gtw caximir se movimenta por todos os lados é figura de proa nessa transformação furiosa da urbe que abraça outras linguagens incorpora outras vozes e visualidades. A transformação é concomitante com os avanços da arte que se urbaniza se veste de metrópole e desafia as vigências de comportamento de pensamento de arte e cultura

O indígena é irmão do punk as santidades sacrosssantas de preto a escorrer violeta genciana pelos poros. Vertem lágrimas violetas negras clamando por outras crenças e libertações. Sua obra tangencia pelas beiradas se marginaliza desafia a imposição de regionalismos e hiperrealismos como sequência de seu trabalho, aquilo que todos esperavam. Seu plano sequência é outro incorpora o vídeo o rock a arte urbe a arte livre a expressão mais ousada da cidade. Nus antropofágicos escatologias trepadas homéricas falos e xanas se entranhando na paisagem da nova urbanidade que se abria voluptuosa. Clovito encarnou todas as forças explodiu em mais de mil estilhaços da mais livre expressão pictórica, experimentou de tudo.

CD da banda Strauss coloca Irigaray na capa

Na época do Bar Obelix, Clovito morava lá em casa, comigo Anna Amélia Marimon e as filhas, morávamos na casa de Aline Figueiredo, e Clóvis começou a externar seu desejo de ir a Salvador, Bahia, queria de qualquer jeito ir conhecer o Pelourinho, os mais diversos recantos baianos, e não tinha como demovê-lo da ideia. Ficamos preocupados, ele sozinho lá, sem conhecer ninguém, com sua visualidade transgressora, enfim…Ele foi! Na primeira madrugada seguinte à sua ida ele liga desesperado, Anna atendeu o telefone de madrugada, preocupados que já estávamos. Clovito tinha sofrido uma agressão na rua e estava perdido. Orientamos para que ele fosse para o aeroporto que iríamos providenciar uma passagem para ele. Ele conseguiu chegar ao aeroporto e foi confundido mais uma vez como vagabundo, marginal sei lá o quê e o detiveram lá. Ligamos, falamos com a administração e explicamos mais uma vez quem era o clovito, compramos uma passagem pra ele com o cartão de crédito emprestado de meu pai, que o Obelix pagaria e tals, e pronto, depois de muito trabalho conseguimos embarcar o nosso clovito de volta. Ficamos chocados com a rejeição que ele provocou, puxa vida, numa capital como Salvador, lugar do tropicalismo e de tantas artes de vanguarda. Mas…

Foto de Rai Reis

Ô Bahia, ôo Salvador, que decepção fostes para o nosso Clovito! Mas Cuiabá também foi pesado para ele, sofreu muitas importunações na rua. Já teve que sair correndo de diversas situações quando se sentiu acuado. O seu abrigo era com a nossa galera, Anna marimon, Rosi Pando, Valderez, Chico amorim, caximir, Gtw, andré balbino, ana paula santanna e todos os outsiders que proliferavam na proto Cuiabá do futuro presente.

Clovito morou por volta de seis meses em nossa casa. Compartilhamos muitas ideias e poéticas. Curtimos muito uma cumplicidade bem família. Dizer que fará falta é redundante. Dizer que sua obra é genial é chover no terreno molhado. Quero celebrar sua passagem por aqui compartilhando pedaços de sua história, perpetuando os encantos que criou. Deixar a chuva cair como gotas de tintas a colorir esse mundão que ele deixou tão mais bonito.

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