Dá até gosto ver Cuiabá se transformando em uma praça cultural com atrações de primeira linha. Seja no plano local ou nacional, estamos com uma programação que enche os olhos e a vontade de consumir cultura cada vez mais para criar pontos de conexão que contribuem muito para nossa compreensão de mundo.

Aliás, compreender o mundo em que vivemos é tarefa cada vez mais complicada uma vez que assistimos a uma aceleração absolutamente sem precedentes na história humana de mudanças de comportamento. Um dos fatores que mais dificulta na interação com as mudanças se dá na velocidade dos arranjos da linguagem, na maneira de abordar um tema ou assunto.  São variações constantes que temos que aprender a lidar com questões como gênero, liberdade individual, escolhas sexuais, drogas, e tantos outros temas que transbordam nas rodas de discussões.

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Lourenço Mutarelli

O que não falta é intolerância, falta de jeito e de vontade em aceitar o outro. O outro aqui como perspectiva real daquele que sente, pensa e vê o mundo diferente de mim e de você. Nossos caminhos são diferentes, os mapas mudam de acordo com a localização, ou melhor, a localização no mundo me oferece a possibilidade de criar meus próprios mapas. O café que sorvo, a dor que sinto, a língua que prova o gosto, o prazer ou a repulsa, de mim para o outro, muda de perspectiva. Tolerar é respeitar o outro, dar dignidade àquele que não eu. E assim vamos “tenteano” como bem diz o linguajar cuiabano, que acho muito bacana, por sinal.

Mas a rede abriu uma janela indiscreta em que todos que se inserem ali estão expostos de uma forma constrangedora. Além do que, somos espionados o tempo todo, acreditem, isto não é teoria conspiratória. É real, a agência de inteligência americana tem acesso a quem estiver conectado, é como uma via dupla (ad infinitum, imaginem quantas vias são????), ao mesmo tempo em que você assiste ao mundo de coisas na internet, ou na televisão conectada, também está sendo visto, dependendo do interesse político, econômico, policial ou o escambau, tá tudo lá, colocando George Orwel no bolso. São sete mil páginas com cada uma contendo vários endereços, monitoradas em tempo real.

A qualquer emissão de mensagens, criptografadas ou não, estão lá acompanhadas e monitoradas via TAGs, ou palavras-termos chaves. Medindo a temperatura dos movimentos políticos de tudo e todos, controlando o jogo, até que vaze. Edward Snowdem que tornou público o sistema de vigilância global como analista de sistema da NSA, vai virar fichinha perto do descoberto agora. Documentos da CIA revelados e reveladores. Seus procedimentos, seus modos digitais de controle. A gente sendo visto e revisto até mesmo em imagens, segundo os mais agressivos teóricos, sugerem que somos vistos a partir da própria televisão, do seu computador, você é monitorado e não dá um passo que passe despercebido. 1984 virou pré história, o big brother é maior que o pesadelo.

Mas vamos lá: dois eventos de primeira grandeza estão a agitar a cena cultural de Cuiabá. No Sesc Arsenal, dois momentos ímpares por esses dias. A peça “O Jardim”. Uma produção patrocinada pela Petrobrás e pelo Ministério da Cultura, que tem na articulação para trazer a Cuiabá o in-Próprio Coletivo. Após percorrer os palcos do Brasil e do Mundo, com seu premiado espetáculo, a companhia Hiato apresentou em Cuiabá “O Jardim”, um espetáculo emocionante sobre as memórias que perdemos, as que queremos esquecer e aquelas que não podem ser apagadas. Saiu um texto aqui no site sobre o espetáculo.

Jardim
Peça O Jardim da Cia Hiato (SP)

É preciso abrir um parêntesis e fazer um elogio ao momento atual do teatro produzido em Cuiabá. Essa nova geração veio com muita garra e vontade de fazer as cosias acontecerem com muita pesquisa de linguagem e ousadia, atualizando e botando qualidade nessa arte secular e das mais difíceis de execução. É uma arte complicada que beira o sagrado. Não é tarefa fácil interpretar e convencer. Criar novidades em um território tão utilizado e que prova a cada nova peça que é uma arte que tem fôlego e capacidade de durar para sempre.

Ao incorporar novos elementos e avançar na constituição de novos espaços de representação (atuação?), utilizando novas tecnologias e novas formas, o teatro que tantos já cantaram a sua morte, como de outras formas de arte, viceja, revigora e avança.

Lourenço Mutarelli
Lourenço Mutarelli

O outro evento que motivou esses comentários é a Oficina de HQ com o escritor, autor de quadrinhos, dramaturgo, ator, Lourenço Mutarelli, no Sesc Arsenal também. Mutarelli é uma fera do quadrinho nacional, um herói sobrevivente da crise dos impressos. Outra arte em crise? Pela resistência desse e de outras feras vemos como a arte é capaz de se superar, ou superar as dificuldades de seu próprio tempo, seja por inadequação, envelhecimento (balela), ou o que for, mostrando que é por isso mesmo que é arte, na capacidade de se reinventar, de explodir as supostas fronteiras, seja de moldura, seja de limitação espacial, seja na reprodução, a arte rompe, salta, cria e recria novos rumos, novas formas, novos roteiros para velhas caminhadas. O HQ tá aí, firme e forte seguindo sua trajetória na velha história da arte.

leandro-karnal-sergio-moro

Pra fechar, comento agora, a polêmica foto postada por Leandro Karnal, historiador brasileiro, professor na UNICAMP em Campinas, de um jantar com o juiz Sergio Moro. Para muitos dos seguidores do professor Karnal, foi um tiro no pé, pois consideram Moro um farsante que dirige a Laja Jato ao seu bel prazer e que busca holofotes para se projetar no inconsciente do povo brasileiro como o salvador da pátria. E Karnal, paralelo a isso posando de apóstolo do novo pensamento nacional, que vive claramente um momento de crise intelectual. Em tempos de crise do pensamento, os heróis são fabricados nas fábricas de brinquedos midiáticos. Frágil, frágil. A escorregar diante dos melindrosos olhares mais críticos. Karnal apagou a foto depois do impacto que fez estremecer suas convicções (não será, a falta delas?) e perder milhares de seguidores.

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