As cordas estavam soltas. As luzes do palco continuavam a piscar freneticamente um colorido mágico. O primeiro acorde vibrou o chão. As vozes em união de mais de vinte anos de histórias. E um vislumbre da janela do tempo. Transportados para uma memória que retém toda a força daquele som, para quando ainda havia sonhos e motivos para lutar. Os semblantes transmitem a alegria de um reencontro. Foram dez anos sem pisar os mesmos palcos para entoar as canções antigas.

E mesmo que esse texto pareça leve, a música é pesada. É roque and roll. Dos bons. Daqueles de fazer todos pularem com a sinergia. É difícil definir o que seja um palco do bando de loucos do Caximir. São tantas referências, conceitos, críticas, que realmente, ainda não há nada que possa chegar perto daquilo que o palco se transforma quando eles se reúnem.

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Tudo vem ao chão. Suas emoções não são mais suas, é um coletivo de loucos que canta para minimamente expressar o que é viver. É muita informação. É um choque. É um soco na cara. É parar o mundo para absorver esse complexo de humana arte. O mundo cru. A realidade extasiada de que possa existir um sentido. Mesmo que ele dure apenas o tempo das luzes no palco.

E então, em certo momento, questionam se o reencontro daquele bando que desde a década de 80, faz tremer o solo cuiabano, não seria uma homenagem para o Sodrézinho? Eles não precisam responder. O poeta Sodré está no palco, assim como todos aqueles que passaram por estes acordes.

A criança encarnada pela voz de criança, assim definiu Eduardo Ferreira sobre Theodora Charbel cantar a transmutación. E transmutou-se. Quem estava lá pode ver, que La Luna bailou caliente, a ave voou louca (não é mais distância, é saudade quântica), e rodopiou entre cada um de seus amigos.

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Foi muita emoção. O esforço todo partiu da voz da juventude, o pássaro que cantou o reencontro. Theo não conseguiu apenas reunir o Caximir. Conseguiu reviver o passado trazendo Ferreira, Capileh, Balbino, Rubão, Anna, Fernanda e Wender para o centro do palco. Foi um feito. Uma noite inesquecível.

Toda uma geração Caximir esteve lá. Crianças que cresceram ao som de Dona Louca e Rocka Billy. Eu mesma sou uma delas. E me orgulho muito disso. De ter vivido junto com eles. De ter cantado e dançado. De ter compartilhado a esperança de que podemos e devemos viver pela arte. É inspirador. E não mais que um sopro de renovação, o show se encerrou.

Mas, algo mudou. Não há como continuar a viver como antes. É preciso seguir. É preciso dar direção ao que sobrou da memória de todos estes grandes artistas.

1149139526_caximir_edu_e_capile_11De grandes poetas como Sodré e Toninho, da falta que fizeram assim como o vozeirão de Bela Dona, e de todos eles que são mártires do descaso com a arte.  Foi grandioso. Mesmo que a cidade não tenha visto como deveria. Mesmo que as luzes tenham se apagado rápido demais.

Não há como voltar ao que era. O Caximir não pode mais ficar no ostracismo. É o que Cuiabá tem de precioso. Não podemos perder nossos artistas para depois valorizarmos com nossas lágrimas repetidas. É preciso fazer o hoje, o agora, preservar a memória, distribuir nosso tesouro.

Nada poderá deter o coração daqueles que acreditam. A noite do dia 15 de fevereiro de 2015 foi um marco. O retorno dos gigantes a terra mais quente do Centro Oeste, com direito a piratas embebecidas de musicalidade e talento, de sonhos que sempre poderemos sonhar e de como a vida é cômica, cósmica, especial, espacial.

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Marianna Marimon, 30, escritora antes de ser jornalista, arrisco palavras, poemas, sentidos, busco histórias que não me pertencem para escrever aquilo que me toca, sem acreditar em deuses, persigo a utopia de amar acima de todas as dores. Formada em jornalismo (UFMT) e pós-graduação em Mídia, Informação e Cultura (USP).

4 Comentários

  1. Um bando incrivel, provocativo e inspirador. Ativaram desejos de uma geração inteira de cuiabanos, no amor e na dor, ate nas brigas eram insumos para novas transgressões. Merecem tudo. Texto certeiro de uma jornalista que esta a altura do que representa o Caximir. Ha muito não nos trombamos, mas tem coisas que parecem ontem. bjs.

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