Por Luiz Renato de Souza Pinto*

Semestre passado ofereci no campus do Instituto Federal de Mato Grosso (IFMT), Octaíde Jorge da Silva, um curso de extensão que tinha por objetivo trabalhar uma visão da história e cultura brasileira através de obras literárias. Este ano, 2017, pretendo oferecer uma continuação do mesmo, mas desta vez trabalhando com um único autor; no caso, autora: Ana Miranda. Penso que os discursos fundadores que sustentam a literatura brasileira espraiam-se em inúmeras obras, como, por exemplo, os romances históricos produzidos por essa cearense, um dos grandes nomes da literatura memorialista no Brasil.

81lkhtgin8lÉ sabido que uma das obras-primas desse gênero é O Tempo e o Vento, de Érico Veríssimo, que registra de maneira ficcional a história de fundação do Rio Grande do Sul. O Continente (dois volumes), O Retrato (dois volumes) e O Arquipélago (três volumes), conjunto que abarca o período das guerras cisplatinas, revolução farroupilha, federalista, proclamação da república e ditadura Vargas. A envergadura da construção épica da narrativa não encontra similar na literatura nacional e é campo fértil para reflexões historiográficas do Brasil colonial, imperial e republicano.

870802No Rio Grande do Sul, considerado como herdeiro da verve memorialista de Veríssimo, encontramos Tabajara Ruas, que, em Os Varões Assinalados, romance épico da guerra dos farrapos traça um perfil biográfico grandioso do general Bento Gonçalves, em páginas memoráveis. O pensamento histórico tem se (re) aproximado do ficcional por intermédio de um novo ordenamento social, de práticas que vêm modulando o convívio de maneira a homogeneizar a produção cultural, indícios que já se observavam ao longo das primeiras décadas do século XX, sobretudo com o advento do cinema, depois do rádio, televisão e hoje com as novas tecnologias de comunicação, internet, intranet, celulares etc.

1883550Mais recentemente, outro nome de destaque das letras gaúchas vem se juntar ao de Tabajara Ruas na construção desse painel histórico-literário. Quando me empolgo com algum autor gosto de perseguir a obra, tentar ler tudo o que já publicou. Foi assim com Clarice Lispector, no final dos anos 1980, quando sua obra estava esgotada, com Ana Miranda, desde Boca do Inferno; José de Mesquita, objeto de estudo durante o Mestrado em História na UFMT, em Cuiabá; Tabajara Ruas, que conheci em 1996 quando morei em Porto Alegre, e recentemente, muito recentemente, com Letícia Wierzchowski. Comecei com seu Netuno, de 2012, passei para O primeiro e o último verão, de 2017, por Aparados, de 2009 e Os Getka (2010). Mas na estante, olhando para mim diariamente estão De um Grande Amor e uma Perdição Maior Ainda (2007) e Um Farol no Pampa (2004). Ainda assim, outros nove títulos já publicados estão na mira para aquisição o mais breve possível. Isso porque não cogito ler os seus infantis, o que deixaria a lista maior ainda.

downloadLetícia ficou famosa por conta da adaptação televisa de seu clássico A Casa das Sete Mulheres, de 2002 pela Rede Globo. Livro transformado em trilogia tem em Um Farol no Pampa (2004) seu segundo volume e está prestes a lançar Travessia, fechando o projeto (marcado para junho em Porto Alegre).

Da mesma forma como o profissional da literatura deve ter conhecimentos históricos para o estudo aprofundado da periodização literária, de autores e obras, o professor de História e ou historiador deve conhecer também os meandros da construção narrativa em obras de ficção de grande valor histórico e humanístico. Estudantes e profissionais da educação são nosso público alvo para que possamos entabular discussões mais complexas sobre os processos de construção narrativa e melhorar a capacidade de interpretação de textos.

O projeto será dividido em módulos que terão uma sequência didática definida a partir de uma (re) construção histórica que permita a discussão em torno de outro olhar sobre a historiografia oficial brasileira. Como ponto de partida estabelecemos a chegada dos portugueses ao novo continente, seguida pelo período inicial da colonização, passando pelos períodos imperial e republicano. Utilizaremos obras significativas da cultura brasileira que possam dar conta de aspectos relevantes dessa periodização.

Os textos literários, de base ficcional, ou não, podem e devem ser utilizados como elementos capazes de fornecer informações interessantes acerca de determinados períodos. É preciso compreender que o historiador trabalha com fontes e escolhe as que mais se encaixam em seu roteiro de apreensão significativa, o que impacta em outra subjetividade. Desde o acontecimento da Escola Nova que não há mais espaço para uma história totalizante, que se escora somente em aspectos econômicos e quantitativos. Literatura e história são, verdadeiramente, faces da mesa moeda. E tem aquela máxima que diz que não existe nada mais absurdo do que a própria realidade. Seria isso mesmo?

*Luiz Renato de Souza Pinto é professor, poeta, escritor e ator performático
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Ao completar vinte anos da publicação de meu primeiro romance, fecho a trilogia prometida com este volume. Penso que esse tempo foi uma graduação na arte de escrever narrativas mais espaçadas, a que se atribui o nome de romance. Matrinchã do Teles Pires (1998), Flor do Ingá (2014) e Chibiu (2018) fecham esse compromisso. Está em meus planos a escritura de um livro de ensaios em que me debruço sobre a obra de Ana Miranda, de Letícia Wierchowski e Tabajara Ruas; o foco neste trabalho é a produção literária e suas relações com a historiografia oficial. Isso vai levar algum tempo, ou seja, no mínimo uns três ou quatro anos. Vamos fechar então com 2022, antes disso seria improvável. Acabo de lançar Gênero, Número, Graal (poemas), contemplado no II Prêmio Mato Grosso de Literatura.

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