Por Wuldson Marcelo*
Naquele dia choveu. Pouco, é verdade. Nesse dia, não pensei em você. Minto. Cheguei a pensar sim. Pensei sem alarde e inconsequências. Não foi bem assim. Seu gosto ainda está presente quando, sem querer, sinto a minha epiderme. Então imagino, como uma brincadeira descabida, que algum outro agora detém esse privilégio. Esboço sorrisos. Até uma gargalhada. Mas algo me trava, e a encenação de Otelo mergulha num abismo de pequenas insinuações e reprovações, que nada são além de um coração censurando o infrator por suas ternas angústias. Essa distância maltrata. Sei. Não quero me importar. Porém, o defeituoso órgão interno me fustiga, me caça e se apodera do inesquecível. Não posso simular a contração dos músculos faciais para representar uma falsa alegria. Não me é permitido.
– Diga mais uma vez!
E ela disse:
– Não sei se ainda te amo.
Com quem andas, não sei. Fico a conjecturar prováveis novos amantes. Declaro que você não é mais a mulher pela qual me apaixonei. Qual o nome do homem que, hoje, beija-te a nuca e coloca suavemente a mão em suas nádegas? Que a abraça e te olha nos olhos quando deitado ao seu lado? O nosso amor não é mais o mesmo, é pálida alusão aos dias perfeitos. Talvez, mas só talvez, você ande a chorar em algum lugar de tua atual casa esperando o meu chamado, alguma escusa, por mais esfarrapada que seja, que dê sentido ao que sentes, para dizer as coisas doces e intempestivas de outrora, na sincronia incandescente dos seus lábios, na sinfonia de contradições do seu jeito de garota arredia e graciosa.
Interrupção!
Estrondo na rua vazia, completamente nula de desejos transbordantes. Tudo é medido em miligramas. O seu retrato de uma festa à fantasia, você de Pocahontas a desfilar um sorriso imemorial em meus sonhos noturnos.
– Novamente o passado.
E a conversa esfria entre lençóis revirados e as dúvidas do amanhã.
Volto ao exercício de tolerar a insignificância de uma ampulheta que desmascara o absurdo dos dias que passam a preencher as minhas horas. Conto os segundos, redesenho seu rosto, recrio a felicidade imaginada. Cadê você que ocupou todas as lacunas que gerei para consolidar a intenção de que amar é sofrer? Me recuso a caminhar sem você.
Um outdoor na Avenida do CPA carrega a frase, “Eu te amo. Por onde você anda?”.
– Eu sou o que sou. E você, quem é?
Eu disse apenas, “O cachorro emagreceu nessas últimas semanas. Ele sente a sua falta”.
O tempo passou a ser o meu inimigo. Tortura e desrespeito à Convenção de Genebra. Não reconheço mais as minhas roupas, desconheço cada centímetro da casa que projetei como nossa. As razões, já não sei para ficar. Expectativa e saudade… talvez. Fico aguardando a boa vontade do destino, do acaso, de um milagre, da coragem que não tenho para implorar que volte. Volte!
Sete cervejas depois e o mundo continua cinza.
O repertório de súplicas se esgotou. O passado não pode ser apagado, o presente é vivido como um tiro no escuro e o futuro uma palavra que não se importa com as ilusões. O tempo corre, atropela, e a esperança esmorece, por mais que o desejo a impeça de se liquidar. O tempo não espera. E esperar é o que faço de melhor, é o que faço abraçando o pior. No escuro, sua silhueta me acompanha. E eu te espero… para amar. Até o amor amar deixar de ser.
– Devolva meu CD dos Los Hermanos, ok?
E a porta se fechou. Sem escândalo, sem sangue, sem simulação de dores passageiras. Crua como o infinito toque do tempo, que não se responsabiliza pelos casos de solução inexistente.
A vida seguirá sem você. A vida seguirá sem você? A fome é a mesma, o sono ainda está aqui, o sorriso nos lábios…. Falso. Ainda continuas aqui, como labirinto sem sinalização, charada sem vestígios de conclusão. Assim entreguei a chave de casa e a vi na cômoda posta na entrada, como ser inerte, cuja importância e significado foram-lhe negado. Ainda continuas aqui para o meu melhor permanecer vivo, para seres o meu quinhão de benevolência com um mundo torpe. Sem ti não há arco-íris, não há projetos, não há sonhos. Digo tolices ao meio-dia, pois não estás aqui para me repreender, para seres minha consciência, meu amor durante o resto de nossas vidas.
– Pode forjar o riso, pois que o fingimento possa nos tornar felizes… Algum dia.
E ela nunca mais pôs os pés no castelo de ilusões chamado “minha vida”.