A tela em branco no computador. O Jornal Nacional compõe o fundo da cena, as notícias são referentes a conversa do presidente Michel Temer (PMDB) com o empresário-proprietário da JBS, Joesley Batista, sobre a compra do silêncio do agora presidiário, o ex-deputado federal Eduardo Cunha. A cabeça martelando. Como eu, Marianna, 26 anos, nenhuma convicção, nenhuma crença, e desconfiada ao extremo, posso começar a tentar explicar? Percebam quantos verbos eu uso, e ainda assim a ação não me vem. Fico parada encarando a tela em branco e mil pensamentos bombardeando a cabeça.
Percebo o jogo espúrio econômico, afinal, é o papel marcado com símbolos, signos, números, o grande motivador, movimentador de todos os outros poderes: político, coercitivo, simbólico, judiciário. Mas o papel é o que é: um símbolo, um signo ao qual nós atribuímos valor diante de todas as outras coisas, inclusive a vida. Agora, no fundo da TV, Aécio Neves com as sobrancelhas franzidas diz ter sido enredado em uma trama criminosa dos empresários da JBS, os irmãos Joesley e Wesley.
Sim, de fato, jogada de mestre da JBS. Negocia delação premiada com o Supremo Tribunal Federal (STF), paga uma multa de R$225 milhões, conseguindo levar seu império para os Estados Unidos, grava a conversa incriminadora com Temer, vende as ações da própria empresa, compra R$1 bilhão em dólares, joga a merda no ventilador naquela orquestração com a mesma imprensa que manipula fatos a bel prazer, e vai para Nova York. Beijos Brasil!
Só o encontro obscuro, fora da agenda, as 22h40 com um investigado já é o suficiente para incriminar o presidente Michel Temer, afirma o presidente da OAB Claudio Lamachia, que também apresentou pedido para impeachment da então presidente Dilma. Em seu discurso, o presidente confirma a “reunião”, mas tenta desqualificar o interlocutor ao apontar Joesley como um fanfarrão. Mas, crime de responsabilidade, prevaricação, afinal, o presidente da República ouviu de um empresário investigado que o mesmo teria comprado juiz, procurador, parlamentar, e não tomou nenhuma atitude. São mais de 10 pedidos de impeachment contra Temer protocolados na Câmara Federal. Ele insiste em ficar, quer tocar as reformas trabalhistas e previdenciárias a qualquer custo, aproveitar o amargor de ser rejeitado por 90% da população do país.
Na realidade o buraco é mais embaixo. Vamos falar de números? As maiores empresas do Brasil estão envolvidas em escândalos de corrupção, nestas relações perigosas com os agentes políticos. No site da JBS, as informações sobre história, investidores, sustentabilidade, etc, estão lá. Com mais de seis décadas, líder global e com inserção em mais de 20 países, a JBS registrou receita líquida de R$162,9 bilhões em 2015. O ano de 2017 começou difícil, com a Operação Carne Fraca da Polícia Federal e a delação já perderam mais de R$16 bilhões de valor de mercado. A mesma JBS que foi a maior financiadora da campanha 2014, com R$366,8 milhões doados.
Seguida pela Odebrechet com R$111 milhões doados. A mesma Odebrechet que teve acordo de leniência de R$3,28 bilhões homologado pelo juiz Sérgio Moro pelos crimes cometidos e cuja receita bruta em 2015 foi de R$107 bilhões. Empresas brasileiras com histórias semelhantes. Líderes mundiais. Projeção no mercado internacional, grandes conglomerados. É o novo mercado. (A título de reflexão, o governo federal investiu cerca de R$112 milhões em 2016 na saúde e R$111 bilhões na educação).
E é esse o modus operandi do sistema. Irrigam dinheiro público através das empresas em contratos milionários, bilionários, superfaturados, que depois retorna para financiar através de propina aos agentes políticos e garantir permanência deste ciclo vicioso entre o público e privado. Na delação premiada de Ricardo Saud, diretor de relações institucionais da J&F (holding controladora do grupo JBS) a informação de que financiaram R$500 milhões da campanha de 1.829 candidatos de 28 partidos em 2014.
Mas atrás de todo signo, todo símbolo, estamos nós, humanos. A maior referência que vem à minha cabeça é o filme “O Lobo de Wall Street” de Martin Scorcese. O dinheiro é invenção, tudo isso é joguete nas mãos daqueles que controlam os poderes. Na minha cabeça é tipo o jogo do João Bobo, sabe? Você fica lá no meio tentando acompanhar quem está com a bola para de alguma forma tentar pegar e entrar no jogo, mas a bola passa e movimentos atrás de você, que você pode não ter conhecimento interferem automaticamente no seu destino. Entrar ou não no jogo? Se o sistema só funciona assim então não há solução?
Pedimos Diretas Já pois o Congresso Nacional não teria legitimidade para indicar um novo presidente. Mas quem votou para que eles estivessem lá? Podemos pensar que os nossos votos, de fato, foram computados? Ou em quem está lá graças à este sistema de irrigação de dinheiro proveniente da corrupção?
Existe um abismo social no Brasil. Uma das minhas primeiras pautas como repórter de política era uma enquete no centro de Cuiabá e a pergunta era: Você já vendeu ou conhece alguém que vendeu voto? Conversei com uma jovem de 19 anos que vendia o voto desde os 16. A mãe vendia o voto de toda a família por R$50 cada. Ela tinha cinco irmãos. A família morava na periferia, vivia de Bolsa Família. Ela era negra. Falava comigo encarando o chão, como se não fosse com ela, como se não entendesse a gravidade do que narrava, sem a dimensão de que vendia seu direito, cometia um crime e a encabulada da conversa era eu, a jornalista inexperiente da carreira e da realidade. Eu vou dizer que ela vai ter as mesmas oportunidades que eu na vida? Que apenas pelo querer ela vai conseguir mudar suas condições sociais?
É um problema estrutural e histórico, que será corrigido com muita consciência, escuta, conversa. Falamos de bilhões destas empresas, de milhões de corrupção e caixa dois, de eleições compradas, da máquina eleitoral, partidária, da ausência das pessoas na política, na micropolítica, mas é preciso construir uma nova possibilidade, um novo modelo, sistema, não sei. É preciso mudar. Avançamos tanto no sentido tecnológico mas e a nossa evolução enquanto sociedade? Será que só somos bons em fazer memes pra traduzir a crise política?
Temos o Congresso Nacional mais conservador desde 1964. Vivemos uma onda fundamentalista, radicalista, perigosa. Não existe diálogo. Elencamos vilões e salvadores como se pudéssemos tirar um país inteiro do lamaçal, da instabilidade, da insegurança através de A ou B. Esquecemos o quão responsáveis também somos em tudo isso. Em não participar, em ter orgulho de dizer “sou apolítico”. O problema não é a política, é o que fazemos dela, ou simplesmente não fazemos. É quem faz da política profissão e gasta milhões em uma campanha para chegar lá, é quem não se importa, quem não questiona como fazer para mudar, é quem diz com orgulho que não se discute política ou que não acredita na política, quem condena o voto nulo por não entender que é um protesto contra todo esse sistema corrupto. Por trás de todos esses signos e símbolos estamos nós. Então não acreditamos no ser humano? É isso? Vamos decretar a falência do ser humano pela sua total incapacidade de ter relações que não sejam corrompidas, corruptas?
Eu não posso acreditar nesse discurso, mesmo que o mundo me mostre o contrário o tempo todo (a III Guerra Mundial vem aí, ou vai dizer o contrário? Sou apocalíptica, e não apolítica). Tudo é política, a palavra, o corpo, a ação, a não ação. E qual política iremos escolher?
Se este sistema eleitoral que é baseado em cifrões milionários não representa a diversidade da população brasileira, não podemos repensá-lo? Não podemos questionar os poderes? Os sistemas econômico, político, coercitivo, simbólico? Nossa combalida democracia tem preço, e esse preço são vidas, a vida em si. O problema é sistêmico. A Eliane Brum fala sobre isso no texto “Na política, mesmo os crentes precisam ser ateus“. Não vai ser um herói quem vai resolver todos os problemas criados por um vilão. Precisamos entender que o problema é muito maior.
Como um roteiro de um bom filme, o que vemos é uma grande empresa se beneficiar das relações espúrias com o poder político para assim mudar leis que favoreçam aos interesses privados em detrimento do público, e como estão emaranhados, como um movimento leva a outro. As leis, a Constituição Federal que tanto temos orgulho em dizer, só funcionam para uns e outros, e isso depende de que lado está a força, o poder, o dinheiro.
Podemos até pensar que este filme seria um drama, mas se olharmos para os personagens e percebermos o reflexo de todos, veremos que a trama se adensa. Não temos aí só a relação insidiosa entre o poder econômico e político, temos as mesmas empresas que produzem indiscriminadamente, que estão envolvidas na degradação do meio ambiente, dos animais, na construção de grandes obras, hidrelétricas, são as mesmas que impactam diretamente todo o modo de vida das populações tradicionais e indígenas, são as mesmas junto ao poder público que promovem essa destruição dos recursos naturais, como se eles fossem infinitos. E lucram milhões. Lucram bilhões desse modelo desenvolvimentista e capitalista financiado pelo poder público. Na tela o que passa são os melhores filmes de desastres ambientais apocalípticos. Será o dia depois de amanhã? Pois hoje mesmo (23/05) aprovaram a diminuição de proteção ambiental da Amazônia.
Nessa narrativa, quem conta o final?
Marianna o seu texto porrada na cara devia ser lido por todos, muito claro e instigante, uma jornalista com o drama em mãos pode muito e deve ser assim, temos que falar mais e fazer mais política, toda ação é politica e se somos achacados o tempo todo é por falta, principalmente de educação, e não é por falta de “verba”, a falta é de um sistema que nos permita SER ao invés de TER, esse complexo de miseráveis que nos colocam desde o berço é providencial pra essa cambada de sacanas e ladrões, tanto na esfera privada quanto pública. Parabéns por esse texto porrada na cara!
esse texto me representa, fiquei sem fôlego!