Poucas são as séries que me emocionam tanto como essa produção mexicana do Canal Once que estreou em janeiro deste ano na Netflix. Com apenas sete episódios, a série Juana Inés é baseada na vida e obra da mulher de mesmo nome que, assim como tantas outras, foi apagada da História. Com o seu grande talento para escrita, poesia e filosofia, ela desafiou as tradições de uma sociedade patriarcal do século XVII envolta em princípios conservadores e dogmas religiosos.
Tabus à época considerados crime, como lesbianismo e a gravidez de uma freira, são abordados de forma delicada e crítica. Juana Inés provou que a mulher também é capaz de usar o cérebro e não veio ao mundo para servir de bibelô. Uma verdadeira pérola escondida no oceano audiovisual da Netflix. E ainda por cima criada e escrita por mulheres!
(Atenção! O artigo a seguir contém algumas revelações sobre a trama)
Juana Inés de la Cruz nasceu em 1651 em San Miguel Neplanta, um povoado pobre no México. Filha de uma prostituta “criolla” com um militar basco, ela descobriu desde menina a biblioteca do avô, onde permaneceu por longas horas todos os dias. Devorou clássicos gregos e romanos, romances, poesias e livros de teologia e ciência. Erudita, era uma autêntica autodidata. Além de latim e português, ela também aprendeu a língua nativa dos astecas, náuatle. Passou, assim, a escrever poemas.
Na série, a história inicia-se quando Juana Inés, ainda adolescente, é enviada à corte vice-real na Cidade do México. Lá a vice-rainha Eleonor se encanta com a sua eloquência e chega até mesmo a se apaixonar por ela, mas a menina permanece na corte por pouco tempo. Como a garota prodígio necessita de mais tempo para se dedicar aos estudos, Juana Inés acaba por escolher o caminho da fé e torna-se freira.
Com o apoio de seu confessor, o padre jesuíta Antonio Nuñes de Miranda – que garante que ela poderá levar seus livros e escritos – ela ingressa na extremamente rígida Ordem das Carmelitas. Mas é enganada. Ao chegar ao convento, todos os seus pertences são tomados – inclusive os livros -, seus cabelos são cortados e sua clausura é assegurada.
Com a ajuda da vice-rainha – que retorna à Espanha e morre tempos depois – Juana Inés consegue sair das Carmelitas. Posteriormente, ela ingressa à Ordem das Jerônimas, um convento onde a disciplina era mais relaxada. Finalmente ela consegue dedicar mais tempo aos seus estudos.
Durante a história, o padre jesuíta revela-se um grande invejoso do talento daquela mulher, recriminando-a por escrever, já que esse era um trabalho exclusivamente masculino. Realiza várias tentativas de desmoralizá-la com a desculpa de que estaria apenas “salvando a sua alma”. Mas, ao mesmo tempo, admite que tem imensa admiração pelos seus trabalhos.
A freira, já adulta, goza de uma reputação internacional, tanto no México quanto na Espanha. Torna-se uma influente escritora e figura política. De estilo barroco, ela escreve poemas por encomenda, cria peças teatrais para divertir a corte e inspira-se em trabalhos de grandes pensadores e filósofos. Convoca, inclusive, as suas irmãs para atuarem nos papeis, algo considerado uma heresia para os mais religiosos, já que as mulheres, consideradas seres inferiores, não tinham tais direitos.
A chegada dos novos vice-reis à capital mexicana é anunciada e, com ela, iniciam-se os preparativos para o arco triunfal que irá saudar a corte. Com sua inteligência e astúcia, ela torna-se a primeira mulher a ter o seu trabalho escrito no arco, símbolo de suma importância. Encantada, a vice-rainha Maria Luísa decide conhecer a autora daquele trabalho.
Assim, as duas vivem um curto romance, compartilhando cartas de amor cortês antes de serem descobertas. Por causa de sua ousadia, Juana Inés acabaria despertando a ira do arcebispo, um homem violento e conservador que institui regras extremamente rígidas às Carmelitas.
Em determinado momento, Juana Inés é acusada de cometer pecados. Ao que na ocasião ela responde, certeira: “O meu único pecado foi o de nascer mulher em uma terra de homens”. Inclusive, um de seus poemas mais famosos, Homens Néscios, critica e acusa a hipocrisia dos homens:
Homens néscios, acusais
as mulheres sem ter razão,
sem ver que sois a ocasião
daquilo de que as culpais.
Se com ânsia sem igual
solicitais seu desdém,
como quereis que ajam bem
se as incitais para o mal?
Combateis-lhes a resistência,
em seguida com gravidade
dizeis que foi leviandade
o que fez a vossa diligência.
Com muitas armas em fundo
luta a vossa arrogância,
com promessas e instância
juntais diabo, carne e mundo.
Que tiro, hein, mores?
Mesmo com as tentativas da igreja para destruir o seu trabalho, seus escritos foram eternizados graças à ajuda da vice-rainha. Juana Inés morre aos 43 anos, vítima de uma epidemia que também matou várias de suas irmãs.
Com apenas sete episódios, essa é sem dúvidas uma daquelas obras audiovisuais que nos marcam, encantam, emocionam e atingem em cheio os nossos corações. Um must-see das séries. Juana Inés, uma grande mulher representada nas telas graças à criação da cineasta Patricia Arriaga-Jordán. E aí, tá esperando o quê pra assistir?
Confira o trailer realizado pelo Canal Once (em espanhol):