Podia vislumbrar, como que através da névoa e da penumbra, uma mulher negra de corpo e mãos esguias a ágeis, com dedos finos e nodosos onde repousavam, dourados sem serem de ouro, cintilantes anéis com inscrições indecifráveis. E as suas roupas, de cores vivas e cintilantes de puro luxo brega e decadente, mergulhavam aos poucos num líquido grosso como petróleo, onde já boiavam desconexos alguns outros apetrechos como fragmentos de um navio há pouco naufragado. Passou à próxima cena, ao barraco seguinte, onde miseráveis e toda a sorte de marginalizados amontoavam-se em volta do fogo, primitivos. E depois de arrastar-se por quilômetros, já no centro da cidade pseudo-moderna, observou as mãos brancas e sedosas e femininas dos eunucos e dos playboys largarem cuidadosamente umas poucas moedas noutras mãos pretas e vincadas, de dedos ásperos, tencionando com esmero jamais encostar naquele outro pedaço de pele. Pôs-se a lembrar de como, numa noite que hoje flutua brilhante e solitária no mar negro de sua memória, ele acolheu uma dessas mãos entre as suas e, olhos loucos e esbugalhados madrugada adentro e a-fundo, pôde agracia-la com champanhes caros e drinks coloridos, puxando-a na saída para o primeiro beco escuro e úmido que encontrou e lá, esgueirando-se por entre latas de lixo e poças de lama, pôde desfrutar por fim de outro beco escuro e úmido e íntimo . Ele satisfeito e ela lambuzada, correram pra areia e da areia pro mar, e no mar ela banhou-se nua sob a luz azulada e sinistra do luar enquanto ele a observava contemplativo e pacífico. Ele enterrava suas roupas sob a areia gelada; ela gargalhava bêbada por entre sete ondas no mar de Copacabana. Nem pôde perceber quando virou as costas e sumiu na penumbra de um poste apagado.

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