Por Luiz Renato de Souza Pinto*
No último dia 06 de junho foi lançado em Porto Alegre o terceiro volume da trilogia farroupilha, de Letícia Wierzchowski, vindo se juntar ao Casa das Sete Mulheres (2002) e Farol no Pampa (2006). Travessia narra a trajetória épica de Giuseppi, herói de dois mundos, que entre o Brasil e a Itália se dividiu em meio entreveros por aqui e por lá, no velho mundo. O protagonista é daqueles personagens que tem a vida entremeada por uma outra, a de Anita Garibaldi que recebe seu sobrenome de maneira a imortalizar-se como uma heroína tipicamente brasileira. A catarinense de Laguna vai-se com o marido para além-mar, o que corta o coração de outra moça que fica a esperar pela volta de seu grande amor, que não acontece. Pois assim sucede a Manoela, narradora do primeiro volume desta saga que agora se completa. Mas isso é assunto para uma crônica futura, após ler esse calhamaço que ainda não tenho em mãos e que fechará em minha cabeça a pesquisa de fôlego que alça Letícia a voos mais altos na produção de romances históricos em nosso país.
Intrínseca é o nome da editora que trouxe a público os outros dois volumes. Navegue a Lágrima eu li em dois dias quando estive em Ribeirão do Pinhal, litoral gaúcho no último mês de abril, dias antes de um Congresso sobre Decolonialidade e Direitos Humanos na Unissinos, em São Leopoldo. Escolhi essa cidade para conhecer pela leitura do último livro de Letícia, O primeiro e o último verão, que se passa nesse balneário. Depois ela me contou em Salvador que na verdade sua família tinha casa e frequentava sistematicamente a praia em Cidreira, município vizinho, que agora também quero conhecer. Mas nem só de Rio Grande vive o imaginário marinho de Letícia. Sua família, tendo casa no litoral uruguaio, sempre está no país vizinho desfrutando de suas maravilhas. E é em parte desse litoral que se passa essa história de amor que funde livros e imaginação com a condição humana e os recônditos da alma. Logo na orelha a editora nos apresenta o cenário:
Uma casa de praia, num idílico balneário no Uruguai, é o cenário de duas histórias de amor e perdas, separadas no tempo. Consumida pelo luto, a editora Heloísa escolhe se afastar da cidade e levar uma vida de isolamento na residência de veraneio que outrora pertenceu a Laura Berman, uma escritora consagrada (Wierzchowski, 2013).
Nesta narrativa, a princesa Kinga, filha de um rei da Áustria, está em idade de se casar e seu pai encontra para a filha um rei da Cracóvia que de pronto aceita a oferta e as bodas são marcadas. O pai da princesa quer dar a ela um dote especial para que oferte ao marido e ela recusa joias e outras coisas fúteis por considerar excesso para um reino em que isso havia de sobra. Resolve dar a ele algo que fosse útil para o seu país. Pede para que os súditos cavem nos arredores da Cracóvia; ao chegar às profundezas e se deparar com uma pedra gigantesca pede que extraíam um pedaço da mesma e que tragam a ela. Eis o seu dote: uma pedra de sal.
E enquanto o rei Boleslau examinava a pedra que Kinga lhe entregara, confirmando assim que ela falava a verdade, que ele tinha sal em suas mãos, a princesa acrescentou:
– Daqui para diante a Polônia vai ter sal suficiente, e jamais precisaremos comprá-lo de outros reinos (WIERZCHOWSKI, 2005, p. 45).
Se você está à procura de um autor/autora que ainda não conhece e busca uma literatura que não seja apenas inventiva, apenas bem escrita, mas que te proporcione emotividade, agora já sabe; tem nome: Letícia Wierzchowski. Ela sabe surpreender o leitor com seus achados e perdidos. Ainda não li o seu eu@teamo.com.br, em parceria com Marcelo Pires (o amor em tempos da internet), coletânea de e-mails com o futuro pai de seus dois filhos, mas ao terminar o Navegue a Lágrima, sabendo da história pessoal, é inegável estabelecer uma relação para além das letras ao lembrar de Heloísa, de Leon, e de outros personagens da obra.
O papel que Leon procurava era um antigo documento, necessário para tirar a cidadania portuguesa – o seu avô materno tinha sido um comerciante inglês que se radicara em Lisboa. Mas, ao invés de seguir com a procura, Leon ligou para o seu agente de viagens e pediu, com urgência, uma passagem para o Sul do Brasil. Rindo ao telefone, nervoso como um adolescente, ele percebeu que já tinha feito aquilo, exatamente daquele jeito, no escuro, anos e anos antes, quando tomara um avião para conhecer a autora do livro que lera e do qual gostara tanto (WIERZCHOWSKI, 2013, p. 185).
Não me interessa se a vida imita a arte, ou a arte imita a vida. A boa literatura vai muito além do que se possa teorizar. É abrir o livro, qualquer livro, e se deixar levar pela magia do faz de conta; por mais que a conta faça algo de mágico desaparecer.
WIERZCHOWSKI, Letícia. O pintor que escrevia. Rio de Janeiro-São Paulo: Record, 2003.
______________________. Navegue a Lágrima. Rio de Janeiro: Intrínseca, 2015.
______________________. Sal. Rio de Janeiro: Intrínseca, 2013.
______________________. O dragão de Wawel e outras lendas polonesas. Rio de Janeiro-São Paulo, 2005.
*Luiz Renato de Souza Pinto é escritor, poeta, professor e ator performático.