Por Luiz Renato de Souza Pinto*

Esses dias o Cidadao Cultura publicou matéria sobre o teatrólogo Agostinho Bizinoto, pioneiro das artes cênicas em Alta Floresta. Estive por lá há questão de dias e pude assistir ao novo espetáculo do grupo local, fundado por ele. Passei a refletir sobre algumas questões pertinentes à existência ao mundo das artes e dos valores que os humanos dão a determinados aspectos da vida e coisas do tipo.

Quando a floresta recebe o homem, simplesmente se desordena. Os clarões vão abrindo suas entranhas para a penetração miúda daquele que a reduz a meio de produção. Não importa o modo, mas sim o fórceps que de maneira abrupta traz à luz o que se chama de progresso. Contra arcos e flechas, ponta de lança da resistência do gentio, o concreto se arma para se fazer presente. E os andaimes do edifício consolidam a ambição, transformando-se em ganância. A tolerância que a arte dissemina vem em socorro do que se pode preservar ainda. O espetáculo trabalha muitas informações que dizem respeito ao processo de interiorização da Amazônia, ao longo dos anos de chumbo, sugere as maledicentes parcerias do capital e trabalho, e vai tangenciando o cotidiano desses aventureiros que se metem pelo meio da mata e vão desbravando suas entranhas.

arquivos_537_conteudo_posts_593902_jpg_1920_600_2_0__jpgCONCRETO CONTRA-FLECHA é dessas atitudes que transformam o olhar de quem se observa por dentro desse andaime. A movimentação dos corpos em meio à escuridão da mata, dos mistérios do extrativismo, torna-se mineral e transitório. A paisagem transformada, vidas transtornadas pelo brilho precioso de uma pedra semeiam outras luzes na escuridão exploratória do homem e de seu meio, ambiente hostil em que o teatro se aloja para fazer a diferença. E do palco brotam um sem número de percepções brutas desse veio cuspido e escarrado pelo minério. Lembro-me de Macunaíma, lenda da Amazônia colombiana traduzida em romance por Mário de Andrade.

Assistir a esse espetáculo foi como perceber o caminho tortuoso de retirantes em busca de água, do comer e da sobrevivência. Poderia estar em Guimarães Rosa, Graciliano Ramos, João Cabral de Melo Neto, todos severinos. Mas não, estão no Teatro Experimental de Alta Floresta. A história do grupo se mescla com a dramaturgia plena em que os andaimes dessa construção levam às minas de carvão de Zola, túneis que transformam homens em ratos, patrões com seus gatos a escravizar homens e mulheres pelo brilho de suas pedras. Germinal. Durma com um latido desses. Preciosa montagem do grupo que se prepara para completar os trinta anos de existência e demonstra o vigor das artes no interior do estado.

CONCRETO CONTRA-FLECHA precisa ser assistido por grandes públicos para que todos se enxerguem nessa experiência cheia de viço em que “pode-se dizer que, como num processo de escavação ou de construção, fomos adentrando aos poucos, devidamente guiados, [como quem atravessa um portal], por universos alheios – pessoais e admiráveis”. O espetáculo é uma possibilidade de compreensão do ser humano, sobretudo pelo que não traz à tona, mas indicia. Dois atores e uma atriz que simbolizam e experienciam a busca e a desolação pela conquista. O território dos próprios corpos é invadido pelo grande irmão. A força do capital devastando o seu interior. A dor da perda, o luto prolongado, tudo isso metaforizado pela morte não apenas de entes queridos, mas da própria libido, quando canalizada para algo bom. Briga de cachorro grande em que o pequeno, sem forças, sem ter para onde correr, para onde ir, acaba perdendo a luta, o título de Campeão.

Perde-se a Batalha, sim, mas não a guerra. E volta com a cortina provisória levantada, revestindo o contra-flecha para iluminar a ribalta necessária de cada dia. O teatro homenageia os que se foram sem alarde e anuncia a presença do ataúde que aguarda novas peças para compor o vestuário. Por outro lado traz a única certeza – a de que o espetáculo não pode parar.

331734_185770864848205_1554140479_oMato Grosso experimenta um momento ímpar no que diz respeito à profissionalização das artes, da interiorização das políticas públicas, ou mesmo das iniciativas independentes. A página paternalista da cultura oficial tem que ser virada, mas deve se manter como alternativa. O público amadurece, a classe artística alcança patamares de qualidade antes não vistos nesse quantitativo. Que circulem pelo estado os poetas, músicos, atores e atrizes, dançarinos. Se puder assista, este espetáculo, a meu ver, merece um selo de qualidade. Carimbo e assino embaixo.

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Ao completar vinte anos da publicação de meu primeiro romance, fecho a trilogia prometida com este volume. Penso que esse tempo foi uma graduação na arte de escrever narrativas mais espaçadas, a que se atribui o nome de romance. Matrinchã do Teles Pires (1998), Flor do Ingá (2014) e Chibiu (2018) fecham esse compromisso. Está em meus planos a escritura de um livro de ensaios em que me debruço sobre a obra de Ana Miranda, de Letícia Wierchowski e Tabajara Ruas; o foco neste trabalho é a produção literária e suas relações com a historiografia oficial. Isso vai levar algum tempo, ou seja, no mínimo uns três ou quatro anos. Vamos fechar então com 2022, antes disso seria improvável. Acabo de lançar Gênero, Número, Graal (poemas), contemplado no II Prêmio Mato Grosso de Literatura.

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