Por Luiz Renato de Souza Pinto*
Quando iniciei meus créditos no Programa de Pós-graduação da UNESP/ São José do Rio Preto, em março de 2008, tinha uma vaga noção dos caminhos a percorrer a fim de construir a tese de doutoramento. A escolha da linha de pesquisa História, Cultura e Literatura pareceu-me de imediato a melhor opção, sobretudo pela formação anterior, graduação em Letras com mestrado em História e a própria natureza constitutiva dos romances escolhidos para a discussão.
Em uma primeira reunião com o orientador, professor Dr. Orlando Nunes Amorim, entrei em contato com os possíveis trajetos intelectuais e filtros ideológicos possíveis para o encaminhamento do projeto de pesquisa. Entre o tradicionalismo de um Lucáks e a metaficção historiográfica de Linda Hutcheon, optei por uma terceira via, a linha experimental de Walter Benjamin, cuja visão histórica, largamente difundida a partir de suas teses sobre a História, é constituída por textos pequenos, ruínas de um pensamento alegórico.
O crescimento da bibliografia sobre Benjamin nos coloca em meio a uma infinidade de possibilidades de escolha, o que denota algum perigo metodológico sobre o qual é preciso estar atento. Seu hermetismo o coloca entre dois extremados pontos de vista. É praticamente impossível a indiferença perante o seu pensamento: ama-se ou odeia-se seu cabedal. Se, por um lado a crítica impressionista e o biografismo tornaram-se obsoletos, a crítica de base sociológica tem certa capacidade de se adequar às mudanças; que o diga Antonio Candido de Mello e Souza.
Com uma infinidade de livros publicados, Candido deixou sua marca, imprimiu um conceito no universo da crítica literária e mesmo entre seus opositores deixa marcas fortes pela lisura do traço e observação precisa. Dissertando sobre O direito à literatura, por exemplo, propõe um percurso digressivo ao redor do tema sem promover o cansaço e desinteresse no leitor, a quem trata com dedicação. O prazer da escrita e da leitura são partes integrantes do processo de interação obra/autor/leitor. Em uma leitura atenta desse escrito, encontramos uma infinidade de referências e elementos intertextuais que nos possibilitam inúmeras leituras.
Em tempos de cultura de massa, o que Benjamin preconizava parece brincadeira de criança. O filósofo da história e crítico de arte não vivera o suficiente para conhecer o potencial dos meios de comunicação de massa, mas parecia intuir essa guinada nos valores estéticos da obra de arte. Benjamin é uma personagem a parte na história do judaísmo do século XX. Judeu sem ser sionista, marxista, sem ser revolucionário; pós-moderno sem utilizar do rótulo, o difícil é definir seu papel na sociedade contemporânea, quer seja do ponto de vista da crítica literária, da filosofia da História, ou até mesmo da comunicação semiótica.
Uma linhagem de crítica que não observe determinados aspectos que se encontram à fronteira do texto literário corre o risco de não compreender determinado aspecto do mesmo. Parece natural observar as contradições do mundo moderno (ou seria pós-moderno?) a partir dessas referências iniciais. Vemos os ícones do pensamento ocidental, a filosofia canonizada, os estetas que habitam as mais altas torres de marfim e os fascinantes domesticadores das linguagens, nessa babel diuturna que se plasma pelo controle remoto de nossas casas.
A literatura nasce para todos; Não há como se negar o acesso aos bens culturais para qualquer cidadão no mundo de hoje. A cultura burguesa veiculada pelos meios de comunicação populariza o comércio, vulgariza os valores, transforma as pessoas por meio de futilidades encontradas em bazar, verdadeiro armarinho feito altar, na sala principal de cada habitação. Quando pensamos que antigamente encontrávamos pessoas de todas as idades que declamavam trechos inteiros de Os Lusíadas, fragmentos homéricos da Divina Comédia, sonetos encantatórios de Augusto dos Anjos e Bocage, nos parecem de uma pobreza sem igual os tempos de hoje.
Leandro Konder conduz o leitor por um labirinto de sensações e imagens alegóricas que fazem do alemão um homem atento ao mundo de sua época, da qual se fez nobre tradutor. A observação dos mais leves movimentos históricos, em Benjamin, vem carregada de história, de elementos servis de uma sociedade em decadência, analisada muito bem, em seus últimos textos, como por exemplo, Alguns temas em Baudelaire. E talvez nessa linha apareça o crítico de coisas comuns, pois “analisava a moda, colecionava livros infantis, escrevia sobre brinquedos, fazia experiências com haxixe, dedicava-se à grafologia, observava com enorme atenção a propaganda comercial, os jogos de azar, o estilo dos espelhos, a história da fotografia, o comportamento das prostitutas” (KONDER, 1999, p. 17).
Quer seja debruçando-se sobre o “spleen” de Paris, ou sobre a melancolia I, de Duher, em Benjamin há uma forte convergência temática caracterizadora da crise da arte, dos valores humanísticos que se escondem nas ruínas do tempo. As questões estéticas refutadas em A origem do drama barroco alemão nunca o abandonaram, pelo contrário, cresceram de importância. “Melancolia e alegoria se apoiam uma na outra: somos melancólicos porque só alegoricamente conseguimos lidar com objetos cuja universalidade nos escapa” (KONDER, 199, p. 36).
Em tempos de modernidade líquida e destruição da pesquisa em nível superior, ler algo assim me deixa mais lúcido e interessado em continuar os estudos em direção ao nada, esse lugar comum em que o conhecimento, qualquer que seja, nos garante um lugar ao sol.
REFERÊNCIA
KONDER, Leandro. Walter Benjamin. O marxismo da melancolia. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1999.