No centro de São Paulo aconteceu na terça-feira passada um encontro de artistas/produtores/consumidores de cultura regional no projeto PULSO do Red Bull Station, a fim de se debater como as questões de gênero estão sendo representadas na música brasileira, e o reflexo que isso tem causado tanto no público quanto nas mídias.
Inicialmente estavam presentes no debate:
Rico Dalasam – rapper, negro, gay, paulista, lançou seu EP “Modo Diverso” em 2015 que o despontou em uma turnê pelo Brasil e na Inglaterra.
LAY – rapper, de Osasco, negra, feminista e empoderada, acabou de lançar o EP “129129” e soltou o videoclipe de “Ghetto Woman” no final de 2015.
Liniker – Natural de Araraquara, preto (como ele mesmo fala), gay, gosta de misturar Soul com ritmos brasileiros, lançou seu EP “Cru” em 2015 e já tem quase 2 milhões de visualizações no youtube com o clipe de “Zero”.
A moderadora Luciana Rabassallo os apresentou formalmente, porém tenho certeza que quase todos ali sabiam exatamente quem eles são. A sala estava lotada, umas 100 pessoas, dentre elas jovens, adultos, velhos, gays, negros, brancos, cis, trans, travestis, tímidos, espontâneos, minimalistas, extravagantes, a diversidade é uma coisa incrível e ela estava presente lá.
O debate começou com Rico e LAY comentando como o mundo do rap pode ser machista, misógino e homofóbico, e as dificuldades que encontraram para se posicionar diante disso, mas que ao mesmo tempo a internet e a globalização permitem que achemos nossos pares (que são milhares), e que não iremos mais nos esconder e que vamos nos orgulhar de ser quem somos, de sentir o que sentimos, e produzir músicas que refletem nossa alma e cotidiano.
Liniker comenta sobre a generalização que existe dentro da própria desconstrução de gênero. Em seu vídeo que viralizou na internet ele usa um turbante, brincos de argola, batom, colar e uma saia longa, que são peças que ele já usava normalmente antes de começar a cantar. A questão de usar roupas tidas como “femininas” é justamente para representar a liberdade tanto sexual quanto para se vestir, liberdade muitas vezes questionada por quem o encontra de calça ou sem maquiagem, como se sua obrigação fosse viver sempre o papel de “bixa causadora”.
Eu, que desde os 15 anos me inspiro na androginia para me vestir, entendo completamente essa situação e já vivenciei ela. Sempre fui tida como “lésbica masculinizada”, porém nunca entendi esse termo, que incita que existem roupas masculinas e roupas femininas. Não acredito que haja essa distinção, não acredito que existam trabalhos de homem e trabalhos de mulher, lugar de homem e lugar de mulher. Acredito que exista um padrão social que poda e massacra nossas vontades, nosso estilo próprio, nossos gostos, e que cada vez mais esse padrão vem sendo destruído.
No mais tardar os artistas “Jaloo” e “As Bahias e a Cozinha Mineira” são chamados para compor o elenco, e então eu tenho a chance de fazer uma pergunta a eles. Destinei meu questionamento ao Liniker e Jaloo, e os indaguei sobre o porquê da mídia sempre usar os artistas homens como exemplos para as pautas de quebra de gênero, já que ali no próprio palco tinha apenas uma mulher, os dois não souberam me responder e acabaram fugindo do tema. Eu como mulher, artista, lésbica, andrógena, raramente me enxergo e me sinto representada em outros artistas (lembrando que estamos falando de cultura regional) e venho percebendo que mesmo com toda essa discussão e mobilização ainda somos invisibilizadas.
As Bahias e a Cozinha Mineira tocaram num ponto super importante com relação a essa representatividade que estou cobrando, que foi sobre o porquê o artista acaba participando de rádios/emissoras/veículos de comunicação que não condizem com sua ideologia (veículos tendenciosos, golpistas, racistas, homofóbicos), ou como muito gostam de dizer, acabam “se vendendo”.
A representatividade importa MUITO quando você está em fase de formação e é um negro que mora na periferia, um gay afeminado que é do interior, uma lésbica que tem uma família conservadora. Quanto mais espaços ocuparmos mais as pessoas vão se identificar, e então ver que negro não é só trombadinha da novela, que gay não precisa se prostituir para ganhar dinheiro, que lésbica não precisa viver em um relacionamento abusivo. Podemos ser músicos, performers, podemos entrar em uma faculdade, podemos andar em plena luz do dia com a roupa que quisermos, beijar nossos parceiros, criar nossas famílias.
Quando o abracei senti uma coisa muito forte, um carinho muito intenso, carinho que é perceptível por quem apenas assiste seus vídeos e nunca o conheceu. Comecei a falar sobre o quanto é lindo o trabalho que ele está fazendo e a forma que ele tem lidado com a fama, que sou muito fã dele, que já até fiz um cover dele no youtube, e que tenho muitos amigos negros e gays que finalmente estão se vendo na TV, na internet, nas rádios.
De repente a emoção me tomou conta e lágrimas começaram a cair do meu rosto, ele me abraçou e limpou minhas lágrimas, eu pedi desculpas pela minha pequena cena (haha) e ele me disse “A gente tem essa mania de pedir desculpas quando tá chorando, mas a gente nunca deve pedir desculpas.”
Simplesmente é impossível descrever a energia que esse ser me passou naquele momento, nos abraçamos mais umas cinco vezes, ele perguntou meu nome e no final da conversa já estava me chamando de “Theo”.
Eu abraço essa cidade com toda a vontade do mundo, e eu amo quando ela me abraça de volta.
que lindooo arrepiei!