Ela está diante de mim, sentada em uma poltrona com as pernas dobradas. A sua aparente doçura e fragilidade se dissipam quando começa a discorrer sobre tudo aquilo que a rodeia no teatro. Seu tamanho se transforma. À primeira vista uma boneca, mas não é de porcelana. Um olhar mais demorado revela todos os contrastes de seus inúmeros personagens. Em busca da liberdade de dialogar através da arte. A última criação, talvez, seu personagem mais radical (até agora): uma boneca que dá à luz a própria cabeça.

Foto: Carol Marimon
Foto: Carol Marimon

Seu primeiro contato com o Universo dos bonequeiros aconteceu em 2013, com o SESI Bonecos do Mundo e a partir daí começou sua imersão no teatro de formas animadas.

“Já estava fazendo pesquisa sobre novas estéticas, mas era o teatro em sua potência física que eu trabalhava na época e aí tive o insight de fazer a pesquisa física em diálogo com o objeto, em que você precisa entender ele, e fui me formando nisso, estive na Caixa do Elefante no Rio Grande do Sul, com o Roberto White em Córdoba na Argentina, que era de boneco com as mãos e uma semana de voluntariado no Museu do Titere em Buenos Aires”.

Foto: Carol Marimon
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Mas, foi uma residência artística em Santiago, no Chile, durante dois meses com Natacha Belova e Tita Iacobelli, que expandiu ainda mais os novos horizontes para Raquel Mützenberg em sua experiência pelo teatro. E faz questão de frisar uma de suas inspirações, a alemã Ilka Schönbein.

Enfim, pode vivenciar esta nova expressão de sua arte junto à 18 bonequeiros de todo o mundo, e assim, alterou sua percepção. “Uma linguagem plural, cada técnica é um mundo, e eu descobri muita generosidade e honestidade entre os bonequeiros”, contou.

O caminho para se chegar até a boneca que pare a própria cabeça passou pelas caixas de lambe-lambe, as quais, Raquel continua a viver, mas são tema para outra matéria. “Umas professoras da Bahia criaram uma caixa de lambe-lambe que mostrava o parto e para mim isso sempre foi o grande segredo da humanidade, um tema obscuro que precisava ser iluminado”.

Foto: Carol Marimon
Foto: Carol Marimon

E percebo que a sua ousadia é para abrir questionamentos e transformar o conhecimento em partilha. Raquel prossegue. O conceito estava criado e o Chile trouxe o amadurecimento estético necessário. Era preciso falar sobre parto natural, aborto, violência obstétrica, o nascimento da vida, a mulher, a mãe, os filhos. Ela conta que o conceito de maiêutica de Platão que é o parto das ideias, a pessoa que te ilumina para alguns caminhos de como nascem as ideias, amadureceu o que deveria ser.

“A cabeça da boneca ser desterritorializada reconfigura todo o corpo, e fiz a pesquisa sobre posições de parto. E o diálogo do corpo e boneco que é o recorte do mestrado na UFMT, que pude construir após toda a troca com a orientadora Maria Thereza, como a respiração, quando se esconder para o boneco se mostrar, apagar parte do corpo. É um crescimento constante, por isso me instiga, não sigo roteiros, tenho um personagem, um repertório de movimentos que se alteram com o devir da rua, com quem está disposto a dialogar, a interferir, ou não também”.

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Uma cópia de sua cabeça com espuma flexível para criar um rosto mais realista, a intenção de Raquel é brincar para causar estranhamento, como define é uma tentativa de borrar o real. “É uma licença poética, digo que o parto humanizado é tanta ocitocina que é uma partolândia, você está com uma droga que ninguém tem”.

Foto: Carol Marimon
Foto: Carol Marimon

A interação das pessoas é o que tem surpreendido Raquel, principalmente as crianças. “Eu sabia que este era um questionamento até infantil meu, porque se colocar nesse lugar do medo se é um momento incrível, o nascimento”.

A experiência floresce na rua. As pessoas incorporam seus próprios significados. A interação acontece. Raquel transforma as ruas em teatro de formas animadas, em questionamento, em provocação. E transforma seres humanos.

Foto: Carol Marimon
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