Por Luiz Renato de Souza Pinto*

No último dia 27 de agosto completei cinco anos do ritual de batismo do doutoramento. O projeto que, de início, visava trabalhar com cinco obras de Ana Miranda, foi reduzido para duas e, diante da banca de qualificação, acabou com uma só. Mas um belo romance, Última Quimera, que trata dos últimos dias de vida do poeta paraibano Augusto dos Anjos. Em janeiro de 2015 estive em sua cidade natal, e pude experimentar a sombra de seu tamarindeiro preferido.

A maneira como Augusto foi tratado em sua estadia na cidade do Rio de Janeiro, o quanto seu temperamento sofreu as agruras da incompreensão e a falsidade dos cumprimentos, a miserabilidade em família, acostumada às mesas fartas do nordeste e que lhe foi furtada na capital federal, com o acréscimo de seu conhecimento vigoroso e a efervescência política do período em que viveu fizeram desse homem, morto aos trinta anos de idade, um vulto incompreensível que parece ganhar cada vez mais notoriedade com o passar do tempo. A força da obra e a profundidade do caráter fizeram dele alguém digno de ser revisitado para que os leitores do presente conheçam um dos grandes nomes da poesia brasileira sob outro ângulo, que não o construído por seus críticos contemporâneos. Pensamos que aí se encontra o convite para o que faz Ana Miranda: o bom romance de fundo histórico dialoga com o tempo presente, reatualiza os atores em cena, com suas minúcias e pormenores a temperar a narrativa.

Em Boca do Inferno, Gregório de Matos Guerra surge em um contexto conturbado. O livro é lançado em 1989, ganha o prêmio jabuti na categoria romance; tem-se o início do governo Collor de Melo. Em 1995, quando lança A Última Quimera, narrando os confrontos do tempo da república da espada, observamos os acontecimentos em meio à Revolta da Chibata, o governo Floriano Peixoto e Hermes da Fonseca. Acontece o governo de Fernando Henrique Cardoso, plano real, equiparação ao dólar etc.

Em 2002, o romantismo nacionalista ganha novos ares com as vozes de Feliciana, uma moça do interior do Maranhão que espera a volta de seu amado, Antonio Gonçalves Dias, em vão. Trata-se do romance Dias e Dias. O governo Lula está em pleno voo. A fortuna crítica apresenta-nos textos bastante reveladores, como os de Ferreira Gullar e Antonio Houaiss, por exemplo: vale a pena conferir.

Ana Miranda também é nordestina, como curiosamente são Gregório de Matos Guerra, baiano, Antonio Gonçalves Dias, do Maranhão, Augusto dos Anjos, da Paraíba e Clarice Lispector que, apesar de ter nascido na Ucrânia, veio criança para o Brasil, fixando-se inicialmente em Recife. Sempre que posso vou à Bahia, e encontro o clima ideal para compreender as obras de Gregório, de Castro Alves, de Jorge Amado e tantos outros baluartes da nossa literatura. Estive em Caxias e São Luís, no Maranhão, para sentir a presença de Gonçalves Dias, e senti também a de Josué Montello, inclusive em Alcântara, cidade paradisíaca, perdida com seus ares de século XIX em pleno XXI.

Ana Miranda penetra na historiografia literária brasileira semeando outros focos de luz sobre determinados temas. No caso específico de A Última Quimera, a escritora nos mostra como se dá a formação do cânone literário, a decadência da aristocracia e a ascensão de uma burguesia comercial e industrial mudando os paradigmas de desenvolvimento social e cultural na velha república. O olhar de quem narra é de 1928, quatorze anos após a morte do poeta, dezesseis da publicação do único livro e no ano de lançamento da terceira edição do Eu, agora com Outras Poesias. A escritura literária reescrevendo a historiografia da literatura.

Compreender o sistema literário nacional, as forças convergentes para a produção do cânone e a revisitação alegórica de um passado que não volta mais são alguns aspectos que gostaríamos de destacar na vida e obra deste grande brasileiro. Poeta de um único livro: Eu! . De resto, são outras poesias.

Ana Miranda, como outros escritores que se debruçam sobre fatos históricos de importância para a construção de uma identidade nacional têm dado grande contribuição para se revisitar a historiografia. Parabéns para Antonio Torres, Milton Hatoun, Márcio Souza, Roberto Gomes e muitos outros, que contribuem de maneira significativa para que reflitamos sobre “que país é esse!”.

Esta semana comecei uma oficina de poesia com alunos do colégio estadual Presidente Médici (15/09), um grupo de mais de sessenta alunos dos três anos do ensino médio. A oficina é parte da contrapartida com o II Prêmio Mato Grosso de Literatura, no qual fui contemplado para a publicação do livro de poemas Gênero, Número, Graal, que sairá em outubro pela Carlini & Caniato. Acredito que precisamos de muitas ações para a formação de leitores, para que possamos melhorar a qualidade do que se lê em nosso país.

Tenho a impressão de que o dia em que Machado de Assis, Érico Veríssimo, Clarice Lispector, Chico Buarque e Caetano Veloso, dentre outros, forem verdadeiramente populares o Brasil começa a mudar de fato.

Torço para que operações como a Lava jato apurem licitações fraudulentas que envolvem a merenda escolar, a compra de livros didáticos, as reformas de escolas públicas dentre outras fantasmagorias do republicanismo tupiniquim. Quem sabe a coisa ainda melhore um dia e o “país tropical, abençoado por deus e bonito por natureza”, à la Wilson Simonal não possa de fato renascer das cinzas, não é mesmo?

*Luiz Renato de Souza Pinto é professor, ator, poeta e escritor.

 

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Ao completar vinte anos da publicação de meu primeiro romance, fecho a trilogia prometida com este volume. Penso que esse tempo foi uma graduação na arte de escrever narrativas mais espaçadas, a que se atribui o nome de romance. Matrinchã do Teles Pires (1998), Flor do Ingá (2014) e Chibiu (2018) fecham esse compromisso. Está em meus planos a escritura de um livro de ensaios em que me debruço sobre a obra de Ana Miranda, de Letícia Wierchowski e Tabajara Ruas; o foco neste trabalho é a produção literária e suas relações com a historiografia oficial. Isso vai levar algum tempo, ou seja, no mínimo uns três ou quatro anos. Vamos fechar então com 2022, antes disso seria improvável. Acabo de lançar Gênero, Número, Graal (poemas), contemplado no II Prêmio Mato Grosso de Literatura.

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