Os desafios de uma comunicação colaborativa, independente, editorialmente livre e experimental, passam necessariamente pelo tema da sustentabilidade. Ou seja, como financiar iniciativas que passam à margem da prática retrógrada de um mercado anacrônico e conservador? Como conseguir recursos para financiar o novo, se não for por vias também novas de relações econômicas? Várias formas possíveis surgem no cenário que projetamos para ousar propor outras maneiras de retorno quando arriscamos investir em novos negócios.
O que podemos oferecer em troca quando trabalhamos com valores simbólicos, impalpáveis, ideias, conhecimento, cultura, quando não vemos ou demoramos a perceber esse retorno? A quem interessa uma sociedade mais sensível, afetuosa e crítica? Como base social, uma sociedade educada e atuante deveria ser de interesse de todos. É o que me parece, apesar do tom de ingenuidade. Eu diria de simplicidade, simplificação de uma equação que vem sendo mudada de acordo com as circunstâncias dos famigerados jogos de interesse. Acreditar na fraternidade entre os humanos é acreditar na bondade suprema. Mas como busca acredito que a ideia do bem estar social é essencial para almejarmos realizações de trocas comuns.
As discussões que aconteceram na Semana da Comunicação na Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT), em seminário sobre comunicação colaborativa, giraram muito em torno da questão da busca de formas de financiamento dos trabalhos. Manter os veículos ativos gera custos, os veículos têm dificuldades de ter acesso a verbas, sejam públicas ou privadas. O mercado é restrito por várias razões. As verbas públicas também são escassas para esse tipo de iniciativa. Os critérios são injustos e carregados de vícios e má distribuição. Em minha visão os governantes deveriam valorizar outras formas de comunicação que contribuem efetivamente para o desenvolvimento cultural das cidades e do estado. Destinar uma parcela dos recursos para veículos de relevância para a sociedade.
Mato Grosso conta com vários veículos emergentes e ações coletivas de comunicação na cultura. Foram convidados para o debate o Cidadão Cultura, Parágrafo Cerrado e Teoria Verde de Cuiabá, e contou ainda com uma representante do Mídia Ninja, de repercussão nacional que se revelou como novidade dentro das manifestações de rua que eclodiram em junho de 2013, uma forma de comunicação em rede que se fortaleceu literalmente dentro dos fatos, em tempo real transmitindo a manifestação dentro dela, expostos, como repórteres de guerra, sujeitos aos riscos dos confrontos.
Cada um desses veículos têm suas especificidades, dificuldades de conseguir financiamentos para suas manutenções e mesmo para monetizar os trabalhadores que produzem conteúdo e forma. Todos são praticamente voluntários e cumprem papel de relevância social e cultural. A sobrevivência desses veículos está em xeque. A força e resistência reside justamente na distribuição de tarefas entre muitos que colaboram doando suas criações e força de trabalho nas ações, mas sempre tem um núcleo a quem cabe se desdobrar para organizar, prospectar conteúdos e parceiros, pessoas que acreditam nos projetos e se engajam como ativistas.
Existe uma cena digital se desenhando em Cuiabá, com a proliferação de iniciativas colaborativas interessantes, uma espécie de busca pela afirmação do conhecimento e da cultura que se produz nesse pedaço. Reflexão, criatividade, liberdade de expressão, apoio a novas expressões que acontecem por aqui, espaços de crítica, de produção de pensamento a partir das ações no teatro, na literatura, nas artes e no jornalismo. Ruído Manifesto, Diminuto (audiovisual,) Na Marra, A Lente, Parágrafo Cerrado, Cidadão Cultura, Teoria Verde, Tyranus Melancholicus, Beatnikis e Malditos, O Guru da Cidade, o jornalismo cultural forte de sites mais tradicionais como O Livre, Olhar Conceito e RDNews, formam um ambiente robusto e inovador na cidade. Não é um fenômeno isolado, tudo isso faz parte das coisas que vem acontecendo e se desenvolvendo no processo de construção da cidade e suas singularidades, suas produções criativas, simbólicas, culturais, do saber em geral. Essa cena desenha o futuro da nova Cuiabá. Digital, crítica, criativa, uma onda jovem que vem emergindo de uma forma que contribui para animar o ambiente, faz crescer, faz se ver, se ouvir e se pensar.
O esforço em produzir de forma a angariar credibilidade e confiança, é constante e necessário, é fundamental buscar diferenciais, a concorrência no meio digital é insana, Fortalecer uma ideia, um canal, uma linguagem, exige comprometimento social e cultural, exige desempenhar papel de relevância, exige verdade e compromisso com a informação. É preciso alma para ser um comunicador, para trabalhar com informação, ciência, literatura, as artes em geral, ninguém entra nessa sem uma profunda vontade de se comprometer com o outro. Fora de si. É preciso sair fora do ego e desejar compartilhar a beleza, a verdade, o conhecimento, afetos, repartir a possibilidade da felicidade.
Partimos da ideia de que todos têm o direito à informação, à ciência, ao conhecimento, ao prazer, ao lazer e ao entretenimento, à arte, à liberdade de expressão e de consumo cultural. As escolhas são subjetivas mas o acesso deve ser universal.
Em um contexto de crise do jornalismo e da produção midiática, muito pelo sistema gigantesco que controla os fluxos da informação e do consumo, surgem esses canais que produzem uma espécie de contrainformação, ao modo da contracultura, como alternativas às estruturas hegemônicas e corporativas, com um olhar crítico e livre. Linguagem é poder, existe um território de luta, disputas de narrativas, o pensamento não é neutro, as ideias caminham junto com a evolução da sociedade e suas lutas políticas. As conquistas sociais, culturais, de comportamento, os direitos humanos, nada se avança sem a ocupação territorial e simbólica, com a afirmação de valores culturais, de produção de símbolos, de linguagem, de modos de vida compatíveis com sua história de vida.
Esses canais de comunicação são parte de uma cena contemporânea que conecta Cuiabá e Mato Grosso a tendências progressistas, em diálogo com o que há de mais relevante e qualificado no país. O Cidadão Cultura por exemplo, busca se afirmar como um veículo brasileiro de circulação nacional, aos poucos se expande, agrega novos colaboradores em outras cidades de outros estados. A saída talvez esteja na capacidade de seduzir mais e mais as pessoas, conseguir engajamentos pela causa, doações, assinaturas solidárias, criação de produtos culturais e outras formas de financiamentos alternativos.
Como lidar com um mercado conservador e verbas públicas pouco acessíveis e de distribuição através de critérios questionáveis? Esta é a pergunta que fica. Buscar alternativas de negócios criativos, seduzir as pessoas, desenvolver nichos de mercado, novos produtos, interatividade e consciência de que nós mesmos devemos achar respostas e meios de sobreviver nessa onda difusa que nos arrasta a todos.