O ensino da matéria literatura normalmente é uma chatice em praticamente todas as escolas. Salvaguardando as boas experiências, nem tão mais raras hoje em dia. A gente percebe o esforço de alguns em tornar o ensino de literatura mais atraente. Mas é quase um consenso, a escola mata o interesse dessa matéria tão densa, complexa, multiforme e plural como o texto literário seja no gênero romance, crônica, conto e mesmo a poesia que muitas vezes é isolada como se literatura não fosse. Será que é? Não é o que importa aqui nessa singela reflexão, a questão é como tornar a escrita mais acessível, mais criativa e leve, sem a pecha de ser objeto restrito a uns poucos eleitos pelo famigerado dom.
Os escritores sempre foram figuras encasteladas, colocados no Olimpo, como semideuses, quiçá, figuras divinas e de poderes quase sobrenaturais. Ora, escrever é exercício, ofício trabalhoso e que exige persistência, muita leitura, gosto pelo ofício. Mas isso em qualquer atividade humana seja criativa ou não, científica, esportiva, ou em qualquer área, tudo exige entrega, trabalho árduo, obstinação. Todos estamos sujeitos a erros e acertos, ao fracasso, êxito, ou mais ou menos.
Ao ministrar uma oficina de jornalismo literário e jornalismo cultural na UFMT, com os alunos do curso de comunicação, como atividade extra no Seminário de Comunicação, pude perceber como o ambiente é fértil para o exercício criativo da escrita. Pude falar da experiência limitadora das redações dos veículos mais tradicionais e pude mostrar comparativamente, a experiência mais livre e experimental de um veículo como este Cidadão Cultura, onde exercitamos livremente tanto o jornalismo quanto os limites tênues da escrita literária mais afeita ao jornalismo que é a crônica.
Uma vez embasado o gênero partimos para o exercício prático, mãos à obra. Vamos escrever. O desafio foi bem simples. Cada um escreveu em um papel solto a primeira palavra que lhes viesse à mente. Após isso embaralhei os papéis e distribui aleatoriamente, numa espécie de sorteio das palavras. Percebi que quebrei a expectativa dos alunos, imaginavam com certeza que a palavra escrita seria a senha para o texto. Mas foram surpreendidos e pegaram a palavra de outro companheiro. Era a palavra chave para escreverem uma crônica. Escolhi uma delas para ilustrar nossa oficina. Segue abaixo:
Semana da Comunicação
Oficina de Jornalismo Cultural/Jornalismo Literário
Texto produzido (em 30 minutos) em oficina de Jornalismo Literário, no dia 06/12/2017, durante a Semana da Comunicação da UFMT. O texto foi produzido a partir da palavra (sorteada) descolonização.
TV Pública
Domingo à noite, nove horas, exatamente. Maria está sentada à frente da TV de sua sala, frustrada. Havia algo errado com a TV. Habituada a, todo domingo, acompanhar o apanhado jornalístico semanal da emissora de maior audiência, Maria praguejava contra o defeito de sua antena que interrompera a transmissão.
A semana que passou foi dura. Estava exausta do trabalho, farta do patrão e, em algumas horas, tudo recomeçaria. Porém o sono não vinha.
Para fugir dos “chuviscos” que tomaram o espaço do seu programa, Maria recorre ao controle remoto. Aparentemente, todos os canais da TV estão com o mesmo problema… menos um. Um programa com “filosófico” no nome.
Na tela, um homem de terno, pele e cabelos brancos, gravata azul marinho e sapatos lustrosos estava sentado numa poltrona, falando incessantemente. Sem saber se por culpa do tédio ou por real curiosidade, Maria ficou a ouvir.
O homem era chamado, pela plateia que o ouvia, de “professor” e falava sobre algo chamado “descolonização”. “O que era isso?”, Maria pensava. Parecia importante. Os filhos deviam saber, afinal iam à escola, mas ela mesma nunca ouvira falar.
A TV continuava e Maria não entendia. Aquele professor falava e falava… Muitas palavras bonitas, mas Maria não entendia. Cansou-se. De que valia? Ficar ouvindo a noite toda tendo que trabalhar no outro dia. Foi dormir. Tinha mais o que fazer. Afinal, descolonização para quê?
(Pedro Augusto Cardoso)
É isso, no geral todos foram muito bem. Com liberdade, alegria, leveza e bom humor a gente pode compartilhar boas ideias e mostrar um pouco da literatura na escola. Sem chatice. Sem divindades. Sem mais nem menos, na medida do esforço individual e da vontade de encarar os desafios da página em branco.