E aí, Antônio, tudo bem? Como é que tá por aí?

Rapaz, que falta você nos faz…

Tô tentando escrever esse texto há anos. Já escrevi pro Dicke, Chico Amorim, meu avô Pedro Ferreira, e outros mais, amigos, parentes, enfim, pessoas que mexem com nossas emoções. De todos os mortos queridos, você foi o que mais me assombrou. Demorei a superar o baque.

Nossa convivência foi intensa demais. A “cumplicidade Universal”, como diria o Dicke. Falando nisso estamos aqui na mesma toada, claro que mudou muito, pois nos anos 80 a gente era grudado feito chiclete, lembra? Cara, a gente ficava o dia inteiro juntos, escrevendo, bebendo, fazendo som, bebendo, gravando, gritando poemas nas tardes ensolaradas, abafadas, nos quartinhos do Boa Esperança. Casa do Thiers e casa do Toninho. Sempre em torno da velha Ufmt que ainda não tinha muros de separação. É, Antônio, a covardia chegou galopando, estão massacrando mais e mais as pessoas tirando o que já havíamos conquistado. Mas, é isso, a história prega peças, não é linear e está sujeita a trancos e barrancos. Assim caminha a humanimaldade (cummings é foda).

Meu irmão, sua morte foi um golpe para nós hermanos da estrada de vida. Sua presença era tão bacana, gostava de jogar xadrez, lembra que insisti até que você aprendeu? Caramba, acho que você não ganhou de mim. Uma vez? Verdade, uma vez, aqui em casa. Lembrei-me. E, olha, não deixei não, você ganhou por mérito, fiquei orgulhoso aquele dia, afinal eu havia te ensinado, sua vitória para mim foi a glória do professor (risos risos risos).

Falando na casa, que você tanto frequentava, as coisas se consolidaram, o quintal tá pegando jeito, já tem acerola, maracujá, alguns temperos verdes, cajueiro tá crescendo, a piscina mini, que hospedou por algumas horas a rã do Bashô, aquele dia que você trouxe o livro dele. – Eduardo, estou com esse livro há duas semanas para te entregar, lembrei de você quando peguei o livro nas mãos, esse é do Eduardo! Aquele dia lembramos do hai kai do Bashô, a rã na beira do tanque. Não me recordo direito do poema, e a rã estava na piscina bem no dia, você ria ria ria, com aquele seu jeito quando soltava a alegria, “sapateie, sapateie mais”, com os olhinhos apertados e quase saindo lágrimas brilhantes de riso.

Cara, não consigo explicar esse vazio. Nossa amizade-cumplicidade universal começou com tanta simplicidade, naquela palestra na Ufmt sobre Poesia Marginal, por uma poeta do Rio de Janeiro. Fui com o tio João Antônio Neto, sumidade de poeta aqui de Mato Grosso, acadêmico, mas dos bons, (sempre tiramos uma onda na Academia de Letras, recorda?) ao final da palestra você subiu lá na frente e sapecou um poema, (contenda chinesa: o camarada Mao/puxou o cabelo de Teng Miao/que miou de dor…em socorro de Miao/chegou Shan Pao/baixando o pau/na cabeça de Mao/que caiu…chin…chin…chin…gan…do…), foi uma explosão de risos e fiquei louco quando te ouvi, falei com meu tio, quem é esse? -Ah! É um menino aí, estudante de letras, poeta…mas Antônio era incompreendido essa época, não fora reconhecido ainda. Era marginalizado, escanteado.

CARA, ATÉ HOJE OUÇO SUA BATIDA NA PORTA, NO PORTÃO QUE VOCÊ FALAVA EM MINHA ORELHA TODA VEZ: Eduardo, esse seu portão lembra a idade média.

Me alugava com isso, ríamos muito.

Sempre achei difícil esse orifício, escrever sobre o Sodré, nunca me senti preparado, acho que nunca estarei, mas agora com esse evento que o Kleber inventou, não posso me esconder mais. SHOWDRÉ, o Kleber ficava dizendo que seu sonho era produzir um show total com o Sodré total (cuiabaratotal). Tá aí, dia 19, hoje, aniversário de morte. Acho bacana comemorar a morte celebrando a vida.

O poeta Antônio Sodré, o Sodrezinho em setembro de 2010

Os ensaios foram fantásticos, uma celebração catártica, provocaram reencontros, amizades quase esquecidas se reaquecendo, é, você conhecia muita gente, sua banquinha de livros usados – o sebo do Sodré – na Ufmt foi point por onde passaram muitas pessoas, estudantes, professores, desocupados, os velhos amigos poetas e músicos do Caximir, lá falávamos de tudo, fazíamos som, jogávamos xadrez, ora quietos, entre uma venda de livro e outra, enfim, a memória voa.

Caximir virou lenda por aqui, você é bastante lembrado, seus poemas pegaram jeito e força, sempre vi como você levava a poesia tão a sério. Mas você gostava mesmo era de um palco, se agigantava, aquele corpo miúdo, as ninfas, Anna e Fernanda Marimons girando em círculos sob gargalhadas cômicas e cósmicas.

Ah, meu irmão, os ensaios aqui pegaram fogo, pegaram sonho, pegaram o lado humano e estilhaçou nossos corações e memórias. Jamais deixaremos você ser esquecido. Vamos dar uma aquecida na Casa Cuiabana, uma reunião super bacana de vários artistas e poetas, músicos diversos e amigos para celebrar sua vida, sua morte, sua poesia, sua liberdade, eternizada em seus versos que não canso de repetir, na Prainha ou no Porto, ou no Pedregal, viver não faz mal: eu não quero as réguas para traçar os meus caminhos, eu prefiro as éguas, num galopar torto e velozzzzzzzzzzz

Serviço

O Que: Tributo ao poeta, compositor e artista plástico Antônio Sodré, El Pueta de La Transmutación, com músicos amigos e da banda Caximir. Música, poesia, exposição de fotos, jornais de época e desenhos do poeta.

Quando: Segunda-feira, dia 19 de fevereiro às 19h30

Onde: Casa Cuiabana, General Valle, bairro Bandeirantes (próximo ao Pronto Socorro)

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