Eu li e concordo com os termos de uso.

Na verdade, eu não li e se lesse não concordaria com os termos de uso. Mas, esta é basicamente, uma das únicas “regras” para participar de uma rede social, abrir uma conta de e-mail, fazer o download de um aplicativo, cadastrar-se em um site de serviços. Sem concordar com os termos de uso você não tem permissão para a vida virtual. É assim. Aceite ou fique de fora. De preferência, aceite sem ler, caso você leia, provavelmente não gostará de saber que as empresas utilizam os seus dados pessoais como bem entendem, sem te dar a menor satisfação a respeito.

Um perfil mercadológico é montado com todos os seus likes, dislikes, preferências pessoais, ideologia política, histórico de buscas, compartilhamentos, enfim, toda a infinidade de informações a qual temos acesso no universo da Internet.

Estas informações são retidas, compartilhadas e utilizadas de maneiras que desconhecemos. Nossos dados brutos permitem que propagandas personalizadas sobre aquilo que possa nos interessar com base no perfil traçado reforcem o nosso consumo. Pode ser para que você finalmente compre aquele sapato na promoção que pesquisou nos últimos dias, ou a passagem aérea que você disse que compraria para viajar no fim de semana e sem saber como, o anúncio com o destino pretendido pisca no seu feed da rede social.

Mas, não é só o consumo de mercadorias o objetivo da coleta de dados. Outro tipo de propaganda acontece sem que percebamos. Uma propaganda ideológica, política, que pretende manipular a realidade e romper com a barreira entre o virtual e o real. Até onde o virtual influencia na nossa realidade? Até onde os dados pessoais dos usuários são utilizados pelas grandes companhias? E o que fazem com estes dados? O que pretendem, intencionam ou almejam com esta coleta irrestrita das nossas informações, do rastreio dos nossos likes e trajetos no universo digital?

Estas propagandas não se limitam a anúncios. A propaganda política e ideológica envolve também as fake news. Notícias falsas que manipulam sentimentos extremos como o ódio, não são baseadas em fatos, e sim em emoções. Reforçam crenças pessoais ao invés de narrar a realidade, com pluralidade de vozes, apuração da informação e checagem dos fatos – o necessário para o fazer jornalístico.

Uma nova mudança no algoritmo do Facebook fortalece a formação das bolhas virtuais. O conteúdo pessoal passa a ter mais relevância do que notícias de jornais como a Folha de S. Paulo. A direção do periódico anunciou a decisão de não mais publicar na rede social. O maior jornal em circulação do país é também o mais seguido no Facebook, com quase 6 milhões de curtidas em sua página. A última postagem data de 8 de fevereiro.

Na prática, isso significa que as fake news terão mais inserção, serão mais disseminadas, enquanto as notícias verdadeiramente jornalísticas ficam apagadas, esquecidas, não são entregues nos feeds dos usuários. As mesmas fake news que influenciaram na eleição de Donald Trump para presidente dos Estados Unidos e no referendo Brexit que resultou na saída do Reino Unido da União Europeia. Ou a fábrica de mentiras movimentada pela Rússia.

Mais uma decisão nada transparente de uma companhia global com valor de mercado de US$519 bilhões. A verdade é que pouco se sabe sobre o funcionamento dos algoritmos destas empresas. Não há transparência, controle ou regulação. Estamos tateando no escuro de um complexo universo de dados. O usuário sequer tem ideia de todos os dados coletados ou o que a rede social faz com suas informações, o que o impede de tomar decisões conscientes.

Estes são alguns pontos levantados pelo Ranking Digital Rights, uma pesquisa da New America’s Open Technology Institute, que estabelece medidas globais para mensurar como as companhias do setor de tecnologia da informação e comunicações atuam no que diz respeito à liberdade de expressão e à privacidade.

Os algoritmos e as fake news

Com o título de Google, democracia e a verdade sobre a busca na Internet, a reportagem de Carole Cadwalladr no jornal britânico The Guardian é reveladora. Na autossugestão do Google para frases simples como “os judeus são…”, “as mulheres são…”, “os negros são…”, aparece como primeira opção que estes são do mal. Outra sugestão do buscador é que o Islã deve ser destruído. As buscas da repórter também desenterraram afirmações de sites neo-nazistas sobre como Hitler era um cara legal. Parece um submundo com todos os pesadelos da humanidade, mas é a vida virtual revelando um lado sombrio até então “desconhecido”.

A matéria traz uma entrevista com Jonathan Albright sobre sua pesquisa na Universidade de Elon na Carolina do Norte nos Estados Unidos, que explica como funciona este ecossistema. Após uma listagem com os links das fake news constatou-se como elas se espalhavam através de milhões de sites, incluindo o próprio Facebook e o YouTube. Não é uma conspiração, não foi criado por uma única pessoa, é um vasto sistema de centenas de sites que enganam o algoritmo e influenciam no resultado das buscas.

São enviados milhares de links para outros sites, o que criou um sistema de satélite de notícias e propagandas da extrema-direita, que circunda todo o ecossistema do conteúdo virtual. Para as 23 mil páginas mapeadas foram encontrados 1,3 milhões de hiperlinks. É como um vírus que se espalha e cresce através do uso das redes sociais, principalmente o Facebook.

Mapa espacial do ecossistema de fake news da extrema-direita

Essa constelação de sites descoberta por Albright também rastreia, monitora e influencia qualquer usuário que passe por seu conteúdo. Estes dados sobre os usuários são utilizados para uma propaganda personalizada e ideológica de extrema-direita. O mais assustador é que o próprio pesquisador afirmou não ter como mensurar o impacto disso ou suas consequências. É uma máquina de propaganda e de controle mental sobre o indivíduo, que influencia subjetivamente suas escolhas.

O bom combate

Este é um fenômeno mundial.

E o Brasil é terreno fértil para a guerra da informação. É ano de eleição. O país sofreu um duro golpe na democracia com o impeachment da presidente Dilma Rousseff (PT). O ódio predomina nas discussões sobre política. O futuro do país é incerto. Direitos foram retirados e a população descrente segue inerte diante da quadrilha que literalmente assaltou o poder.

São 102 milhões de brasileiros conectados ao Facebook ou 49% da população do país, que acessa mensalmente a rede social. E é justamente por lá que muitos se informam. Ou se desinformam. Estamos na Era da pós-verdade, o que vale é a opinião pessoal. Desde 2014, as redes sociais tem sido um termômetro da crise política e da polarização de pensamento no país.

O tema das fake news é constantemente tratado pelo site EL PAÍS com matérias que revelam como o Brasil está sendo afetado. E o que constata-se é a necessidade do bom combate, a comunicação social responsável, afinal, é comunicação social. Já vivemos em fragilidade democrática. É preciso responsabilidade coletiva.

Uma das explicações para as fake news é o distanciamento do jornalismo da realidade. Os jornais impressos continuam apegados ao formato de noticiário que não mais representa o que busca o leitor. Reproduzem hoje as notícias de ontem dos sites e TVs. Não aprofundam o conteúdo, não contextualizam, não se renovam. O formato comercial das propagandas está morrendo. É preciso se reinventar.

As hardnews – notícias minuto a minuto – dos sites não possibilitam o tempo para a reflexão. É um bombardeio de informações. Perde-se a sensibilidade e a empatia. Logo outra manchete enterra a última. E a avalanche do noticiário continua.

Na guerra da informação a nossa arma é a resistência. Resistir com comunicação afetiva, com consciência, com responsabilidade social. O jornalista é o mediador das informações, a ponte de comunicação com a sociedade. Este enfraquecimento do jornalismo é o fortalecimento do autoritarismo.

É hora de estourar a bolha.

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Marianna Marimon, 30, escritora antes de ser jornalista, arrisco palavras, poemas, sentidos, busco histórias que não me pertencem para escrever aquilo que me toca, sem acreditar em deuses, persigo a utopia de amar acima de todas as dores. Formada em jornalismo (UFMT) e pós-graduação em Mídia, Informação e Cultura (USP).

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