Existe algo de ritualístico em reunir mulheres para escutar as suas histórias, dar vazão às suas vozes. É um ato de potência, de união, força, identificação, solidariedade, empatia. É saber que várias mulheres lutam todos os dias para serem quem são. Essa força é movimento. É uma mudança de tempos. Não é possível retroceder.
A força dessas vozes é a certeza de que serão amplificadas e alcançarão outras e outros. Essas vozes de mulheres extraordinárias encontraram ouvidos atentos na Biblioteca Mario de Andrade no encontro “Narrativas femininas: Conversa sobre mulheres escritoras, com mulheres escritoras”.
Esmeralda Ortiz, Mel Duarte e Laerte dividiram suas histórias de vida, de como através da arte encontraram sentido, um caminho para percorrer, mesmo que árduo. É tudo aquilo que existe em nós e precisa vir ao mundo. É ter o poder de criar fora de si o que existe dentro.
“O fio condutor de liberdade”, assim Esmeralda definiu o que escrever e cantar significam. São 20 anos sóbria, sem álcool ou drogas. Mas todos os dias é uma batalha.
Antes de falar ela canta sua música “Guerreira”. Então começa com um alerta sobre o que vivemos no país e questiona como “podemos nos unir para fazer um país melhor?”. Quantas pessoas estão em situação de rua enquanto outros seguem alheios? “É só sair aí na rua que você vai ver um monte de gente”, ela diz.
“As palavras sempre circularam por mim”, adianta Mel Duarte sobre sua relação com as letras. Descobriu a escrita aos oito anos de idade e o primeiro contato com a poesia aconteceu na escola. Hoje é escritora independente e através do movimento dos Saraus na periferia de São Paulo percebeu que as mulheres escreviam mas não compartilhavam. Uma rede de apoio e fortalecimento surgiu entre estas escritoras e poetas. E assim nasceu o Slam das Minas. “É mais uma plataforma para acessar a palavra. As mulheres tomaram seu lugar de fala, hoje são mais de 50 batalhas”.
“Hoje tem mais muro, grade, segregação, estão construindo situações de isolamento, está se avançando no massacre. Temos que combater a ideia de segregar. Um soldado enfiar o celular na cara de alguém e pegar a identidade de um cidadão na favela do Rio de Janeiro é uma perversão dos poderes. Quando voltar a ser democracia vamos ver o tamanho do erro. Temos que combater esses muros, grades, segregação, isolamento, prisões. Não quero direito para um nicho da sociedade, mas um gozo possível para qualquer pessoa”.
Estas mulheres contaram sobre o íntimo que as move em busca de si próprias. Não lamentam o peso que carregam, mas libertam-se deste fardo imposto, para devolver ao mundo uma resposta ainda mais forte. Resistir: porque a sua narrativa é a sua existência. Enfrentar e se posicionar, ser o que há de mais verdadeiro dentro de você. Esta foi a lição que me passaram naquela quinta-feira à noite, enquanto os ventos lá fora sopravam e a chuva caía fina. As mulheres celebraram um encontro com aquilo que há de mais profundo: a sua criação.