Recentemente autorxs negrxs em poesia e prosa têm sido analisados sob outro prisma, que não o da afro descendência. Falar de história e literatura negra no Brasil é uma tarefa que consiste em romper as barreiras da discriminação social, étnica e cultural em nosso país. Jarid Arraes, Luna Vitrolira e Elisa Lucinda, por exemplo, são alguns dos nomes que vêm ganhando espaço nas rodas de leitura, em locais de maior penetração midiática, ou mesmo em saraus de periferia e pequenos bares e livrarias que se tornam reduto de intelectuais contemporâneos.
Jarid é uma jovem intelectual ativista, filha e neta de poetas do Cariri cearense. Luna vem da grande Recife e comanda mesas de glosas por todo o país, difundindo a poesia sertaneja e urbana do Nordeste brasileiro. Elisa dispensa apresentações. Conquistou o país e tem seu trabalho conhecido e reconhecido em várias partes do mundo. Essa capixaba de Vitória do Espírito Santo apresenta seu repertório por várias mídias, tendo sua base na cidade maravilhosa.
É desse cascalho bruto, dessa canga que reveste a palavra poética de uma couraça protetora que se busca extrair algum néctar para o deleite do leitor. Manoel de Barros já dizia que “Todas as coisas cujos valores podem ser/disputados no cuspe à distância/ Servem para poesia (BARROS, 1974, p. 15). O poeta pantaneiro sabia das coisas, das pré-coisas e de muito mais.
Teresa de Benguela viveu no Mato Grosso durante o século 18. Após o falecimento de seu marido, José Piolho, chefe do Quilombo do Quariterê, Tereza se tornou uma rainha quilombola. Ela mantinha um sistema de troca de armas com os brancos e comandava toda a administração, economia e política do quilombo, onde também desenvolviam agricultura de algodão, dominavam o uso da forja e comercializavam tecidos e alimentos excedentes.
Os negros e indígenas sob sua liderança resistiram à escravidão por 20 anos, até 1770, quando o quilombo foi destruído. Em sua homenagem, o dia 25 de julho foi instituído Dia Nacional de Tereza de Benguela e da Mulher negra (ARRAES, 2017, p. 143).
Luna Vitrolira é de outra vertente. Performática, sua poesia se transforma ao som de uma glote potente que exterioriza o trabalho autoral pelas entranhas de uma garganta que denuncia todo e qualquer abuso. A visceralidade de sua verve contamina aos leitores/ouvintes/que não são apenas expectadores da palavra. Pegando carona em edições que têm se popularizado por serem de baixo custo e de fácil editoração, Luna Vitrolira vai rompendo as amarras do mercado editorial e se expandindo do Nordeste para o Centro-Sul do país. Canta suas influências, devora a linguagem do sertão em uma mistura frenética de sensações e vocabulário. “Eu sou uma palavra que tem vários olhos/ muitas faces e muitas farsas/ como tudo uma invenção/ eu sou uma palavra” (VITROLIRA, s/d, p. 8).
Elisa Lucinda é dona de vasta bibliografia. Jornalista, professora, atriz, cantora, publicou pelo menos quinze obras além das “Vozes Guardadas”. “A Lua que menstrua” (1992), “O semelhante” (1995), “Euteamo e suas estreias” (1999) e “Parem de falar mal da rotina” (2010) talvez sejam os mais conhecidos. Mas há também o enigmático “Fernando Pessoa, o Cavaleiro de Nada” (2015), romance, que desponta dentre o conjunto, até mesmo por ter sido indicado para o Prêmio São Paulo de Literatura de 2015.
Jarid não conheço pessoalmente, e sim ao seu pai, Hamurabi Batista, com quem fiz uma oficina de cordel na cidade do Crato-CE, em março último. Elisa me é familiar, desde os tempos em que morei no Rio de Janeiro. Costumávamos nos encontrar no querele, em Botafogo, no Castelinho do Flamengo, ou em qualquer outro local em que aquele grupo de poetas do Rio, Niterói e baixada fluminense se reunia para homenagear a palavra poética. Corria o final dos anos 1980 e o início dos 1990. A gente não sabia onde aquilo tudo ia dar, mas, deu no que deu!