Por Gilda Balbino*

Passei minha infância numa cidade do interior, onde nós, crianças, nos movíamos e ampliávamos nossa autonomia e nosso protagonismo nos quintais, nas ruas, nas praças. Adquiríamos maior compreensão espacial e de administração do nosso tempo e exercitávamos nossa criatividade e liberdade de expressão através das brincadeiras. Ocupávamos as ruas e vivenciávamos nossos sentimentos de pertencimento e convivência com desenvolvimento físico e emocional saudáveis. Toda a vizinhança cuidava com olhares amorosos da nossa segurança.

Tivemos férias escolares em julho e, com certeza, quase não vimos nossas crianças brincando nas ruas e ocupando nossas praças e parques com alegria, imaginação e movimento e sim em shoppings lotados ou em casa, relacionando-se, sozinhas, com as inúmeras mídias sociais. Quando participam de algum evento em espaço público, gratuito, esses eventos são, todavia, mercadológicos, com diferentes marcas e produtos nem sempre saudáveis e direcionados para a conquista desse público consumidor.

As crianças perderam as ruas e ganharam as telas com o aumento da violência urbana e com a falta de espaços públicos convidativos e adequados para brincar. As brincadeiras infantis precisam integrar a memória, fazendo parte da nossa formação social, intelectual e afetiva. As cidades precisam ser mais amigas das crianças e, vale ressaltar, brincar é um direito assegurado por nossa Constituição.

As cidades atuais estão adoecendo. Árvores centenárias são cortadas. Áreas de preservação e nascentes estão virando condomínios. O clima cada dia fica mais quente e seco. Precisamos de ar puro, de silêncio onde possamos aproveitar o simples fato de existir, com parques e jardins, com mais amor e prazer. Feiras de rua, jardins comunitários, hortas urbanas, ruas arborizadas, piqueniques, conversas nas calçadas, intervenções poéticas, ruas para dançar sem atropelos, com uma relação próxima entre as pessoas e a cidade. Um lugar de trocas, festa, manifestação e encontro. Uma cidade lúdica e coletiva.

 

*Gilda Balbino é advogada e assessora parlamentar, especialista em gerência 
de cidades pela FAAP.

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