Política literária
O poeta municipal
Discute com o poeta estadual
Qual deles é capaz de bater o poeta federal
Enquanto isso o poeta federal
Tira ouro do nariz
(ANDRADE, 1930)
Não conheço escritor que não tenha prática de leitura; mas acredito que existam. Há de tudo neste mundo. E não é porque o cidadão gosta de livros, de poesia, que isso seja garantia de civilidade. Há poesia em tudo o que transpira, inspira, suspira. E não falo aqui de inspiração, fobia, orquestração. Divanize Carbonieri é poeta, ou poetisa, se assim preferirem, eu particularmente prefiro poeta, até porque
O termo poetisa passou a ser contestado por ter sido atribuído a ele um significado pejorativo, cuja carga semântica denotava certa diminuição, inferiorização da literatura produzida pelas mulheres, que durante muito tempo permaneceram à margem de um padrão que priorizava o ponto de vista masculino em qualquer tipo de produção intelectual. Sendo assim, muito antes das questões evidenciadas pelas teorias feministas de gênero ganharem espaço, algumas escritoras apropriaram-se do termo poeta para intitularem-se, compartilhando com os homens a designação desse ofício.
O poema que dá título ao livro (Entraves) possui dezoito versos em uma única estrofe e apresenta um universo de erudição que afasta do prazer inicial um leitor não acostumado a hermetismos literários. Vejo como ponto de tensão das ações desencadeadas a força nuclear e substantiva dos vocábulos liquidificador / tendão /coluna /interruptor /hérnia /máquina /hemorragia /músculo /gargalo /licor /lágrima /quina /talho /falha /trastes /sequestro /chance / entraves. Cada qual em seu verso com uma carga semântica que reproduz a mecânica do verso no interior do discurso.
São trinta poemas. Não há descanso para o leitor. Livro de plástica incomum, que tem tudo para se tornar um clássico na cultura acadêmica, não necessariamente cair no gosto popular. Houve um tempo em que Caetano Veloso era cantor de MPB e o bruxo Machado de Assis, lido com desenvoltura em primeiros anos do ensino médio. Naquele tempo a poesia de Divanize teria tudo para se espraiar com mais tranquilidade.
Percebo que a linguagem é a mesma, embora alguns poemas tragam em sua estrutura uma espécie de instantâneo que faz das micronarrativas poéticas algo como a extensão de um hai-kai. Se no livro anterior todos os poemas são de estrofe única, neste, dos quarenta e quatro, sete são divididos em estrofes, apenas sete. Nesses, a estrofação quase que possibilita um descaminho para o minimalismo, reforçando o discurso de Carlos Felipe Moisés de que não há poema longo, quando eles existem é porque talvez haja mais de um poema no referido texto.
A rede, a vara, o anzol, que fazem do pescador alguém que lança para além do não eu a sua tralha em busca de uma prenda, possibilita a tal da liga sugerida por Flávia Helena, senão vejamos:
F I O
fina liga
no aço do fogo
encandece
apita
grita
entristece
edema
de massa mole
entorta
retorce a pele
gomo de lima
rasga na língua
rompe
escorre
finda a vida
encerra o dia
finaliza
o fio
Ao sentir-se como alguém preso no labirinto de uma livraria, física ou virtual, atrás de livros em papel ou para se ler em outros dispositivos (ai, Foucault!), lembre-se de que há outros tipos de lógica além da cartesiana. Entraves e bugigangas fazem parte do caminho de qualquer um. Nem sempre haverá uma deusa, musa, ou diva para iluminar e retirar das trevas obstáculos que norteiam as abstrações.
CARBONIERI, Divanize. Entraves. Cuiabá: Carlini & Caniato, 2017.
_____________________. Grande Depósito de Bugigangas. Cuiabá: Carlini & Caniato, 2018.
[1] mundoeducacao.bol.uol.com.br/gramatica/poeta-ou-poetisa.htm. Acessado em 20/09/2018. 09h12min.