Já escrevi sobre Vitória Basaia há mais de dez anos atrás no site Overmundo. De lá para cá muita coisa mudou, mas ela continua produzindo com maestria, com magia, com criatividade extra, muito acima da média. Fomos visitar sua mais nova exposição na Galeria Arto e, de cara, o título é um convite perfeito para o que vem lá. Variações Inusitadas. Alto lá! Bradam os apressadinhos.
Não há conclusões fáceis ao se deparar com a extensa obra dessa artista que fincou os pés e as mãos no barro várzea-grandense. Ela mora em Várzea Grande há muitos anos. Ela é cidadã do mundo, artista em permanente diálogo com as coisas da vida e seus mistérios. Instigada pelos elementos ela transita facilmente da terra para a água, para o fogo, e pira, voa pelos ares como a revoltear suas impressões e marcas.
Os materiais que utiliza são incríveis, são comuns, restos do consumo humano, ressignificados à exaustão. Eu diria que ela reinventa a matéria. Cria seus próprios suportes e habita mundos imaginários como uma bruxa contemporânea a manusear os elementos. Uma mestra das artes a moldar mundos a partir de papéis, panos, plásticos… vamos caminhando pelo ambiente repleto de obras de arte, são números fantásticos, mais de trezentas peças, a contar as unidades de uma instalação que ocupa o centro do espaço com varetas (espetados?) trazendo figuras de formas enigmáticas. São seres inventados? São seres possíveis? Quem serão, de onde virão? De quais escombros da mente, de onde surgem essas figuras que tomam formas inusitadas e parecem habitar nossas profundezas abissais? Antes, ou depois, de ser?
A instalação contém mais de 200 peças moldadas com biscuit, ela diz e se diverte., ela contabiliza. Mas, atenção, é preciso ver com calma, recortar o olhar como uma câmera, de olho no detalhe, são minúcias dentro de vastos mundos ressignificados.
No total a exposição deve ter umas 360 obras de arte.
Carlinhos protesta, não! Aqui contabilizo uma peça só (a instalação, com seus duzentos enigmas, entes misteriosos, seres ou não seres?).
Ela ri. Não discorda dele mas revela no sorriso meio maroto que às vezes pensa diferente, mesmo com o outro tendo razão. Ela desfaz lógicas e se embrenha no terreno do mágico, do paganismo, da manipulação dos elementos com a sabedoria que advém de redutos desconhecidos atribuídos ao mistério do ser. A religiosidade do avesso. Figuras pagãs. E cria também deliciosas formas que se vestem de vestes feitas de papel de bala, desses que encobrem doces balinhas, tão leves que parecem querer voar e transpor as caixinhas que servem de ambiente. Retângulos tridimensionais que abrigam aquelas doces formas. Singelas, leves, leves.
Quando cheguei, não havia ninguém na galeria ainda. Do lado de fora, uma instalação, tipo um móbile com peças dependuradas tendo a parede branca como fundo. Ela nos serve uma entrada. Um stop break. Como ela a dizer: – Calma lá, rapaz! Devagar com a dor que tudo passa e é tão breve.
Pare um instante!
Materiais diversos quase sempre irreconhecíveis, variações inusitadas – logo de cara.
Reconheço placas de computadores, pano de chão, tapetes, tampa de privada, tampas de desodorante rolinho, tampas de garrafas, sapatos velhos, tudo em desuso, re-significação ao extremo, ela queima garrafas pet com maçarico, cria paisagens estranhas, parecem superfícies de outros mundos, outras geografias. É pedra? É pau? Plástico fundido criando texturas de novas possibilidades, uma espécie de arqueologia para o futuro.
Tudo nela é excesso, produz muito, não define limites para sua plástica. E ela vem me dizer que não sabe pintar. Como assim? Ecoa uma gargalhada pelos corredores. Tudo bem, concordo que Basaia está mais para uma escultora de formas re-formadas, no sentido de formar algo novo a partir de elementos usados. Coisas velhas que adquirem novos significados e para isso ela lança mão de restos de objetos que vão ficando por aí como rastros do mundo consumido e consumidor.
Que maravilha a gente tê-la aqui tão perto. Poder usufruir de seus mais de mil tentáculos ou talentos. Bonecas, fios, carretéis, placas diversas, tamancos, panos em desuso, arames, cordões, metais, teclados de computadores, não há limites para a materialização de sua imaginação para lá de fértil. É isso, fertilidade! Arte bruta, feminina, pagã, mágica, a criar mundos incríveis, espantosos. Um convite aos mistérios humanos. Um convite ao amor pelos hermanos. Sim, ela é muito amorosa. Uma artista digna nesses tempos tão tenebrosos que parecem não assombrá-la. Seu olhar de mãe e mulher consciente dos papéis que devemos desempenhar prevalece. Amor, amor acima de tudo.
Eduardo Ferreira, emocionado aqui véi!
Jota, quando o coração fala!