Acabo de voltar de São Luís, do Maranhão. Antes de conhecer tal cidade, achava, dentro daqueles binarismos idiotas que nos acometem, que lá ou se era a favor dos marimbondos de fogo, ou contra. Como se não houvesse outras possibilidades. Participar do III Colóquio de Línguas do Instituto Federal do Maranhão (IFMA) foi marcante em minha atuação profissional, acrescido, logicamente, dos contatos estabelecidos com professores de outras instituições, demais colegas professores, graduandos, mestrandos e comunidade em geral.
Levei na bagagem alguns exemplares de Xibio, meu último romance e do Gênero, Número, Graal, livros que lançaria ao final do evento em uma livraria do Shopping São Luís, intitulada AMEI: Associação Maranhense dos Escritores Independentes. Lá se é possível adquirir algum dos exemplares, desde então. Encerrei minha participação no evento com uma performance no lançamento coletivo de livros que ocorreu no último dia 28 de setembro.
Na medida do possível, dediquei parte dos últimos dias à leitura do romance de Ana Maria Gonçalves, um defeito de cor, que me acompanhou na viagem. Obra de profunda intensidade emocional, o relato da escritora mineira atravessa a memória cultural que reúne elementos da diáspora africana, mesclada com efeitos da ação tumbeira em nosso continente. A revolta dos Malês, referências ao Valongo, à cultura africana em território maranhense, dentre outras situações de comunicação povoam as novecentas e quarenta e sete páginas do livro.
A mistura de ficção e realidade traz ao final da escrita uma bibliografia da qual fazem parte obras literárias, antropológicas, históricas que abordam temas transversais e horizontais da narrativa. Dentre elas A Moreninha, O Moço Loiro e Memórias da Rua do Ouvidor, de Joaquim Manoel de Macedo. É Difícil selecionar alguma citação importante do romance, uma vez que inúmeras passagens são dignas de nota. Eu já estava impressionado com a negritude maranhense desde a primeira viagem, há dois anos, quando pude ir a Caxias e Alcântara, em busca de curiosidades para a escrita do Xibio.
Paula Francinetti, professora do IFMA, a quem havia conhecido em Cuiabá durante o I Seminário de Ensino de Língua Portuguesa, do Instituto Federal de Mato Grosso (IFMT), em 2017, que me convidou para a participação do evento do IFMA, também nos levou, a mim e à professora Edna Guedes, do Instituto Federal de Pernambuco (IFPE) para conhecer a biblioteca de sua irmã, Mundinha Araújo, que nos presenteou com uma de suas obras, Insurreição de Escravos em Viana – 1867 – que lerei em breve, assim que possível.
De volta a Cuiabá, com a leitura concluída do livro de Ana Maria, fico a pensar em tudo o que tenho lido sobre essas questões, e de como é importante a discussão proposta atualmente por intelectuais do feminismo negro, que têm na pessoa da Djamila Ribeiro uma de suas vitrines nesse momento de importantes conquistas e desafios para o presente e futuro de nossa cultura. De como o conceito de interseccionalidade é basilar para discutir o papel da mulher negra na sociedade brasileira. Não posso finalizar esta crônica sem uma citação, ao menos de um defeito de cor:
Eu achava que era só no Brasil que os pretos tinham que pedir dispensa do defeito de cor para serem padres, mas vi que não, que em África também era assim. Aliás, em África, defeituosos deviam ser os brancos, já que aquela era a nossa terra e éramos em maior número. O que pensei naquela hora, mas não disse, foi que me sentia muito mais gente, muito mais perfeita e vencedora que o padre. Não tenho defeito algum e, talvez para mim, ser preta foi e é uma grande qualidade, pois se fosse branca não teria me esforçado e recompensado com tanto êxito (GONÇALVES, 2018, p. 893).
REFERÊNCIA
GONÇALVES, Ana Maria. um defeito de cor. 17 ed. Rio de Janeiro: Record, 2018.
GOMES, Flávio dos Santos. MOCAMBOS E QUILOMBOS. Uma história do campesinato negro do Brasil. São Paulo: Claro Enigma, 2015.
MAIA, Josiane. HERANÇA QUILOMBOLA MARANHENSE: história e estórias. São Paulo: Paulinas, 2012.