Viver com medo é pior que filme de terror
Fora da tela a sensação é uma
Dentro
É outra
Você não conhece um Estado de exceção!
Onde
A norma é o silêncio
– ausência de expressão
Você que cresceu sob a liberdade
Não faz ideia disso, pior, ignora e cospe no prato que está comendo agora
Depois, ah meu amigo, depois não tem volta
Não sem sofrimento, não sem sentir o gosto da morte nos dentes quebrados
Não, meu irmão, você não faz ideia
Bombas explodem, tiros no escuro, sensação de bala perdida feito cego em tiroteio
Cadê a música que estava aqui?
Cadê as flores, aquelas ali, pisadas pelos coturnos, soterradas pelos canhões?
Ah, você precisa saber dos dedos duros, dos delatores nada premiados, dos pobres asnos cegados pela fragilidade submissa
30 de abril, 1981: Riocentro buuum! A funcionária do Correios: Dona Cida Monteiro, buuuum! A vida desarticulada num sopro de morte, explosivo, quente, fétido
Os porões sujos empesteados dissimulados escondem o verdadeiro horror da força contra a razão mínima que deveria nos igualar a todos num conforto de uma mínima racionalidade
Ah, meu amigo, você não sabe o que é viver numa sociedade vigiada em seus movimentos de expressão livre, submetido a censores ignorantes que navegam no fluxo da estupidez humana
Dedos apontados em sua direção ameaçando sua dignidade e capacidade de escolha
Mordaças te sufocando no calor infernal dos silêncios mais malditos, aquele imposto, aquele que te faz calar na calada da noite
Toque de recolher, aguarde, sua hora vai chegar
Depois, meu amigo, não adianta se arrepender, ao ver um filho seu de um amigo seu de um vizinho de um irmão seguir na linha na ponta da baioneta
Marcha soldado! Cabeça de papel!
Fire fire
O incêndio já começou
Estamos chamuscados, com as consciências queimadas, mas já é tarde
(faz escuro) E eu canto!