De Minas Gerais me vem a voz de Adri Aleixo. Uma poesia cheia de pedras, de seixos. Versos diversos recheados da passagem do tempo, de olhares à Adélia Prado, asperezas sutis de Drummond e de um sertão tão lá de dentro. Saboreei suas palavras como quem adoça o café mineiro, aquele tradicionalmente doce. De seu Pés, busco a extração de um substrato que me vem à boca da poesia de Ana Cristina Cesar, para quem “é sempre mais difícil ancorar um navio no espaço”.
As pedras
que deixei pelo caminho
desenharam a curva do rio.
(Aleixo, 2016, p. 12)
Os pés sempre em frente, mesmo andando sobre as águas, o poema flui na correnteza; sabemos que contra as ondas, somente o fluxo das marés. E a curva do rio aprisiona confortavelmente tudo o que deixamos para trás. Água, pedra, tempo, metáforas, ou não, compõem o universo da poesia de Adri, como o foi para Drummond, mineiro que extraía do chão bruto sua poesia vigorosa que enfrentou o concreto da crítica, e fez com que a flor vencesse o asfalto. O que será que esta poeta espera de sua lavra abrupta com a matéria bruta que transforma em verso?
…
O que espero?
alguma palavra egressa
marulhenta
feito grunhido de mar ou vento
(p. 14)
A água mole e as pedras brutas em simbiose da linguagem que busca o pertencimento, o avanço do cinzel sobre a superfície dura. “Eu temia esse tempo:/ das flores de plástico/ das balas de enfeite” / (idem, p.18). Mais que lúdica, a poesia de Adri Aleixo é para servir de elemento distópico, não necessariamente para a compreensão do óbvio, tão necessário. Literatura não deve ser receituário simples como panaceia diuturna. Tampouco como contraponto ao anestesiamento cotidiano. Guimarães Rosa falava desse espaço interior que desconhecemos e que avança para a aprendizagem sígnica do que nos rodeia.
Sertão
As folhas caem
Para ancorar
A paisagem
(p. 41)
Este é o ponto em que vejo Ana Cristina. A César o que é de César. Amor e Roma são elementos de uma tessitura anagramática. No outono da linguagem, o ancoradouro é o chão da palavra, patamar que nos nivela criador e criatura, poeta e leitor em dois lados dessa mesma moenda, na qual ruminamos nossa interpretação como a mais relevante, esquecendo apenas que o diferencial também depende do repertório.
Alguns dos poemas que li, faziam parte de um boneco com o título de impublicáveis, embora alguns deles façam parte do livro de 2016, Pés. Mas o que se segue, não consegui saber se ainda o é, ou se já veio ao grande público na forma de impresso, publicável, em qualquer suporte.
La petite mort
Eu guardo notas de supermercado
que nunca vou conferir
Sobras de leite que nunca vou usar
num bolo, coalhada
É que tenho coleção de coisas
Improváveis
Bilhetes daquela viagem
que não fizemos
Cartões impressos de lugares
que não visitamos
Nome de plantas que só eu conheço
Dialetos de ilhas pequenas
perdidas num atlas
Estas histórias que não publiquei
são meus melhores poemas
Estes segundos em que você se calou
são as mais lindas frases de amor
Adri Aleixo estará em Cuiabá no próximo dia primeiro de novembro, pelo projeto Arte da Palavra, do SESC, na companhia de Cida Pedrosa. Vamos ouvir o que ela tem a dizer, além do que escreve. O convite está feito tanto para quem gosta, quanto para quem precisa de poesia em sua vida.
Aleixo, Adri. Pés. São Paulo: Patuá, 2016.
__________. Impublicáveis. S/D.