Ouvi o primeiro disco dessa dupla, ”Quando Todo o Cabaré Chora Contigo”, de 2016, e fiquei, a princípio, meio desnorteado. Querendo achar rumo/referências para ouvir aquele som, no carro, indo para uma pequena fazenda, com a mulher e filhas, para passar um final de semana de muito calor em Cuiabá. O som provocava sensações estranhas pelo que tem de inusitado, inusual, fora da curva do que estava ouvindo no momento, não era rock, apesar de ter pitadas, não era samba, apesar de umas batidas sincopadas, não era marcha militar, apesar de lembrar e muito em algumas passagens, não era dodecafônico apesar de umas quebradeiras rítmicas absurdas, não era atonal apesar de algumas desafinadas, enfim, ficava matutando e re-dizendo tudo que não fosse, para ver se acertava o alvo. Então, fiquei assim, no mato sem cachorro apesar das boas e más impressões.
Mas era instigante ouvir aquilo, e perceber a surpresa geral dentro do carro que deslizava pelo asfalto quente até chegar no trecho de estrada de chão batido que me remeteu a memórias de um passado nem tão distante em Guiratinga onde asfalto era coisa rara e sem perspectiva de futuro. Mas o futuro sempre vem e com ele as evoluções tecnológicas. O que proporciona hoje os caras entrarem em um estúdio (Selvagem) e ficar por horas experimentando e matutando e gravando coisas e jogando coisas fora e selecionando e inventando novas formas de fazer o velho carro rodar. Essa liberdade de ficar horas em estúdio do próprio Caio, possibilita essas invenções pura e simples o que se tornaria inviável, ou impagável, se o relógio estivesse aberto na contagem onde literalmente tempo é dinheiro.
Que bom que, apesar de não parecer dupla sertaneja, Caio Mattoso e Júlio Nganga, seguem a toada das duplas e se lançam nesse mato sem cachorro, sem faro, sem vista, lá nas profundezas, descompromissados. Vale lembrar o velho Dicke, “o sertão é onde mora o coração”. Mas gosto da ideia de sermos aqui do mato no fundo do velho e bom coração, e poder produzir essas coisas mais fora da bússola que norteia a produção musical conservadora Brasil afora.
Na visão deles dois esse novo trabalho possui ao menos dois fios condutores: música brasileira e dodecafonia! O título, de alguma maneira, remete ao conceito desse novo trabalho: “Meu Pandeiro Veio Quebrado” (título também da música que encerra o álbum). Desse modo, durante dez dias, o dia todo, a dupla não saiu do estúdio. Passaram horas ouvindo música erudita alemã, Tom Jobim e Hermeto Pascoal para, segundo eles, “tentar incorporar alguma coisa que no final não sabemos o que é nem pra que serve, mas que uma hora bate e então percebemos: é agora!” e assim partiram para a produção.
Vale a pena conferir essa experiência sonora inventiva e ousada. Mexe bastante com a sua audição confortavelmente acostumada a musiquetas caretas e insossas que tanto assolam nosso espaço. O álbum é inclassificável apesar da orientação livre, que mais o aproxima da música contemporânea. É um pop enviesado, ou uma erudição mascarada? Apesar de tudo eles dizem, “é apenas música, ou talvez, também filosofia”.
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