Eles amarelos, a gente laranja. Em que pese a mediocridade do trocadilho, falar de uma cultura dinamitada pela guerra química na tentativa de se impor ao mundo só fez crescer na encruzilhada entre o passado e o futuro esta bela nação que tem superado a tudo nos últimos cinquenta anos. Paraíso para turistas brasileiros, o Vietnã cresce no turismo internacional em meio ao trânsito caótico, paisagens exuberantes e uma população hospitaleira. Como sei disso? Se já fui até lá para sair por aí dizendo? A resposta é não.
David tinha lido numa revista, muitos anos antes, que os elefantes abandonam sua manada ao sentir que a morte está próxima e vão sozinhos procurar um lugar onde não seja difícil encontrar água e abrigo (LISBOA, 2013, p. 10).
Para um brasileiro que lê minimamente, a referência da citação acima remete ao genial escritor paranaense Dalton Trevisan, contista de mão cheia. Um dos clássicos do conto brasileiro é seu livro “Cemitério de Elefantes”. A metáfora acompanha o livro “Hanói”, de Adriana Lisboa para contar a experiência de David, esse brasileiro de Governador Valadares, Minas Gerais, que vai aventurar em solo americano, como alguns milhares de brasileirinhos enfeitiçados pelo american dream (não vai aqui nenhum juízo de valor).
O livro vai se desenrolando de maneira sutil e delicada. A trama costurada a fios selecionados não impacienta o leitor, não o põe apressadamente em busca de um resultado. É como se aceitasse que o narrador pontuasse de maneira pausada e lenta seu anedotário. Vamos nos afeiçoando a David e a Alex, como também a Huong, Lhyn, ao cachorro Oscar, ao garoto Bruno. À Lisa, não!
Era impressionante a facilidade com que se podiam desconstruir certas coisas, ele pensou. Você passava dias, meses, anos da sua vida empilhando tijolinhos, dava trabalho, era suado, e para pôr tudo abaixo às vezes bastava um sopro. Segurar a porta aberta e dizer tchau, Lisa, em vez de por favor, Lisa, fique. Pedir as contas ao patrão (p. 62).
Para fugir da doença o brasileiro começa a se desfazer de seus móveis, de objetos pessoais, como se isso garantisse a vida eterna. Quer correr o mundo, ir embora para qualquer lugar. Em um rompante pede que Alex, a caixa do pequeno mercado a quem dera alguns de seus pertences, diga para que lugar ela iria se quisesse um dia ir embora dali. E ela diz Hanói. Não falo aqui de deslocamentos. Isto não é um artigo científico, um ensaio. Não quero conversar sobre diásporas e coisas do tipo.
Huong colocou na mesa a grande tigela de arroz, o tofu frito, os legumes fritos e a salada fresca, a sopa, o picles de mamão papaia, o molho. Bruno se lançou à aventura de investigar aquelas coisas com a alegria rara que era comer uma refeição preparada por sua avó, e Alex pensou com tristeza nas pizzas congeladas que ocupavam mais espaço do que deveriam na sua geladeira (idem, p. 179).
Isto também não é uma resenha. Recolho-me às anotações como quem carrega folhas secas no quintal para decorar o quarto de um ente querido que se foi. Mesmo sabendo da ausência, aprendi com esta leitura de Adriana que “Era extraordinário como a dor simplificava as coisas” (idem, p. 202). Agora fico aqui olhando a bela capa do livro em que um trompete me liga a David, ao jazz americano, a New Orleans, terra em que nunca pisei.
Coltrane, Armstrong, não o astronauta, o músico e tantos outros. O garoto Douglas a quem David presenteou com um instrumento igual ao seu deve ter aprendido muitas lições. Mesmo que ele não exista, a ideia que faço dele e de cada um dos personagens me faz feliz. Gosto de ler e sempre aprendo com os livros. Achei bacana como Adriana Lisboa me propiciou esta emoção que cresceu aos poucos, sem a necessidade de um intempestivo início, mas em uma narrativa cujos pontos de luz iluminaram suficientemente ao meu coração. Se eu fosse você tentava algo parecido também, quem sabe dá certo.
REFERÊNCIA
sentei-me num barte papo…impagável