Nunca esquecerei aquela manhã em que abri a janela e me deparei com uma névoa avermelhada que encobria toda a cidade de Cuiabá. Foi em setembro de 2012. As paredes do prédio trepidavam ligeiramente e formiguinhas doceiras pareciam sair em debandada em longas correições pelos azulejos azuis da cozinha. Atravessei o corredor do meu apartamento no oitavo andar do edifício Maria Joaquina, em frente à Praça Alencastro e da sala pude ouvir o sino da igreja Matriz tocando insistentemente. Não havia viva alma nas ruas e algo sinistro pairava no ar. A bruma escarlate tornava-se mais intensa, então percebi uma fumaça densa e acinzentada que pairava sobre o morro de Santo Antonio.
O relógio marcava sete e trinta e cinco quando um grande estrondo reverberou pelos ares e diante dos meus olhos incrédulos o morro cuspiu faíscas de fogo e lavas incandescentes que se derramavam como rios pelas encostas. Nuvens de insetos afugentados pela bruma púrpura batiam-se desesperadamente contra as vidraças. Os cristais na estante tilintavam, a porcelana tremia, livros despencavam das prateleiras e lá fora um grande tumulto se instalara. As ruas, ainda há pouco desertas, num instante estavam lotadas de carros que tentavam de todo jeito sair das apertadas ruelas do centro.
Não é preciso dizer que qualquer tentativa de fuga era inútil. As lavas avançavam rapidamente sobre tudo. Liguei a TV e nenhum sinal. O telefone também estava mudo. Estávamos sem energia ou comunicação. Do alto podia ver um rio de fogo alastrando-se pelas avenidas. As árvores incendiavam ao contato incandescente das chamas da destruição. Gritos alcançavam meus ouvidos apesar das janelas fechadas. Tentei ignorar os acontecimentos preparando um café extra-forte, mas o tumulto ao redor tornava-se mais intenso e desesperador. Outra explosão e mais outra. O céu escureceu por completo. Um grande silencio pairou sobre tudo. Muitas horas se passaram e lentamente as lavas solidificaram-se petrificando vidas e objetos. O horizonte estava roxo com nesgas esverdeadas e bruxuleantes como uma aurora boreal.
Andava cautelosa pelo apartamento fechado. Grandes rachaduras denunciavam o estrago nas estruturas do prédio. O piso já havia cedido em vários pontos e ainda assim não me arriscava a sair dali. Rumores externos faziam-me crer que quase todos os moradores abandonavam o edifício. O zumzum de vozes amedrontadas demonstrava o efeito aterrador do desastre sem precedentes. Abri o armário e recolhi alguns pertences a fim de preparar uma pequena mala. Não conseguia imaginar como estaria o mundo lá fora e nem como sobreviveríamos àquela tragédia sem água potável ou alimentos. Fechei o zíper da maleta tendo a certeza de que encerrava ali a minha vida. Desci as escadarias da porta de serviço fustigada por um vento cáustico e quente. Não havia mais ninguém no interior do prédio. Ao chegar ao térreo um imenso bloco de concreto destacou-se do teto soterrando meu corpo para sempre.