Por Fábio Pinheiro*
é assim que é. os políticos tiram selfies da lama. pessoas montam redes de solidariedade para baixar alguns milímetros de lama de suas mentes empalidecidas e para se sentirem magnânimas. os operários do resgate, por mais louvável que seja o seu métier, são tornados heróis pela publicização romântica de seu calvário viscoso. a espetacularização é massivamente infiltrante: pululam imagens e histórias de animaizinhos sendo resgatados da lama por pessoas e de pessoas sendo resgatadas por animaizinhos da lama; de doações generosas de outrora avaras empresas e altruístas vaquinhas de pessoas que no ano passado vomitavam ódio a minorias, relativizando seu sofrimento. uma compaixão sebosa toma conta do país, e todos se unem em avatares e efêmeras mensagens de apoio na névoa virtual das redes sociais.
as responsabilidades são debatidas, enfim. é obra dos abutres de esquerda, maldade dos escroques da direita. em um plano mais centralizado, quem são, enfim os algozes: os engenheiros, os executivos, os acionistas? numa ótica mais sociológica, quem é o genitor desse pesadelo: o capitalismo, os neo-socialistas, os pobres de direita?
é porque foi privatizada, dizem os que se esquecem do PAC e da relação promíscua entre empreiteiras e governo desde a época em que o termo empreiteira ganhou o seu sentido contemporâneo, venal.
é por conta do capitalismo, dizem aqueles que se esquecem de Pequim envolta em neblina densa de fuligem e de Chernobyl e seus avantesmas distorcidos.
será que foram ouvidos os críticos às moderníssimas hidrelétricas amazônicas cujas turbinas girarão as esteiras da próxima mina? os povos tradicionais amazônicos, indígenas e quilombolas, sempre a se queixar de empreendimentos de hidrovias, ferrovias, rodovias e demais escoadouros formando uma malha que sabemos a que presta transportar, reticulando as matas, emudecendo corredeiras, apagando as quedas d’água e estilhaçando maracás: foram eles ouvidos por quem hoje sente pena?
tiveram os ambientalistas suas vozes ouvidas por quem hoje chora lama pelo cú falso quando o novo código da mineração foi debatido, o novo código florestal foi aprovado, Carajás foi duplicado e o licenciamento ambiental oficialmente ameaçado (pela direita e pela esquerda, pelo centro e pelo cú também)?
e na falta de uma síntese argumentativa que evite as paixões partidárias, as rusgas eleitoreiras, a midiatização oportunista e a pieguice cínica de canalhas e ignorantes,
a atávica rede difusa de culpas enreda a quase todos os viventes e permanece encoberta
de lama.
*Fabio Pinheiro é poeta, professor e cidadão do mundo, daqui até Hades

Deixe um comentário

Please enter your comment!
Please enter your name here