“Sempre em aberto, sem conclusão”. Assim Wlademir Dias-Pino definia os seus projetos na poesia visual. Esta referência chega instantaneamente quando Tulio Paniago me procura com seus experimentos poéticos em parceria com Keila Okubo, e assim, a teia de conexões na minha cabeça percorre toda a trajetória da poesia visual, que surge em Cuiabá, em meados de 1940. Era o embrião da poesia visual que nascia. Ainda incipiente, no Centro-Oeste do Brasil, surgiu um movimento de arte de vanguarda, que assimilava a imagem enquanto vocábulo. Era o intensivismo de Dias-Pino e Silva Freire. Este movimento, pouco difundido na história da arte no país, foi documentado e estudado em diversas teses, ensaios e artigos. Seus representantes acabaram desembocando em outros movimentos de arte, caso de Dias-Pino e seu poema//processo.

Este giro na história demonstra que a arte rompe com as fronteiras físicas do tempo. Afinal, o poema//processo completou 50 anos em dezembro de 2017, e, em 2019, dois artistas estão colocando em prática os conceitos criados por poetas visuais que transformaram a compreensão da arte no Brasil. Tulio explica que a ideia é bem simples. Ele manda um texto, Keila elabora uma obra em cima. “E ao mesmo tempo rola o processo inverso: ela manda uma obra e eu crio algo textual que possa sugerir algum tipo de relação. Esse é o primeiro passo, baseado na troca. Agora a gente também tá brincando com a possibilidade de fundir as duas linguagens criando obras únicas, onde não haja a divisão entre texto e imagem. Mas também vamos continuar com a ideia das trocas. Enfim, são possibilidades, é uma viagem que a gente tá se propondo”, explica.

Ele transita entre a concretude da palavra jornalística e a liquidez da palavra literária. Ela se desviou por 15 anos da arte, mas desde a infância se expressava através da fotografia. Com cursos, Keila uniu diferentes técnicas artísticas às suas fotos e além de fotógrafa, descobriu-se artista visual. Neste percurso, os dois encontram-se em São Paulo em 2018. E a partir daí, aprofundam a relação de amizade para uma parceria artística para lá de interessante. O movimento dos dois caminha no mesmo sentido: ambos arriscam viver da arte e pela arte. A sinergia de um propósito compartilhado trouxe à vida os tais “Experimentos Poéticos”. A ponte entre os dois artistas vem carregada de mais um sentido nostálgico. Tulio em Cuiabá e Keila em São Paulo. A parceria remete às antigas trocas de correspondências.

De Vidro – Criação de Keila Okubo

Um experimento estético e poético, cuja proposta é um diálogo/interseção entre diferentes linguagens artísticas. Esse “caos organizado” já é criação de Keila com suas fotografias autorais, colagens, costura e outros elementos utilizados em suas obras. Neste contexto, a linguagem verbal, mais especificamente a palavra escrita – por Tulio Paniago – surge como um novo elemento de composição. A experimentação é o que motiva. “Gosto do processo. O resultado importa menos do que o fazer”, ressalta Keila, que talvez, sem saber, estava fazendo referência ao conceito elaborado por Dias-Pino no poema//processo. Ele sempre dizia que o processo interessava mais que o resultado.

É através da troca, com um texto por uma obra visual e vice-versa, que a criação reivindica seu espaço no imaginário destes poetas. Vínculo, diálogo, relação. O que suscitar da criatividade individual ao se conectar com a subjetividade do outro. Além da troca e do compartilhamento, a liberdade é outra palavra que marca e perpassa a ideia. E assim, o intuito é que estas ligações se potencializem, dando origem a possíveis novas imagens, a partir da leitura de terceiros, novas narrativas não pensadas previamente pelos artistas. Bingo! Mais um ponto de encontro com a arte de Dias-Pino, que sempre incentivou que o espectador rompesse as barreiras que o separam do autor(a) e se apropriasse da obra para criar novos sentidos.

“O experimento também se arrisca na proposta de fusão, por meio da qual o texto é incorporado integralmente à arte visual, dando origem à uma única obra, a fim de se estabelecer uma íntima comunicação entre estes diferentes fazeres artísticos, compondo, por consequência, uma linguagem comum capaz de abolir as fronteiras que delimitam e separam estas duas expressões”, salientam.

Após estas breves palavras, o Cidadã(o) Cultura tem o prazer de anunciar a apresentação da série “Experimentos Poéticos” de Keila e Tulio, cujas obras serão publicadas neste espaço. Segurem a ansiedade e a curiosidade, que logo mais divulgaremos o conteúdo!

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Marianna Marimon, 30, escritora antes de ser jornalista, arrisco palavras, poemas, sentidos, busco histórias que não me pertencem para escrever aquilo que me toca, sem acreditar em deuses, persigo a utopia de amar acima de todas as dores. Formada em jornalismo (UFMT) e pós-graduação em Mídia, Informação e Cultura (USP).

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