Por Larissa Campos
Ele ainda se lembrava perfeitamente da primeira vez em que a viu. E não havia como
esquecer, porque assim que ela entrou no restaurante, entrou também um cheiro de
frescor, um cheiro de flor de laranjeira. De imediato, ele abordou o amigo que
estava ao lado.
Está sentindo esse cheiro gostoso?
Cheiro de que?, retrucou o amigo.
De flor de laranjeira! Não acredito que não está sentindo!
Anos depois ele lembraria da cena e teria a certeza de que aquele perfume realmente não era para o amigo. Era um odor exclusivo, algo que foi mandado especialmente para que ele prestasse atenção naquela moça bonita que, como na música do Geraldo Azevedo, cheirava ao botão de laranjeira.
A moça sentou-se numa mesa um pouco distante e permaneceu sozinha durante todo o tempo. O amigo teve que ir embora, mas ele ficou, porque já havia criado um plano para se aproximar daquela jovem. Pediu uma caneta ao garçom e escreveu um trecho da música do Geraldo em um guardanapo, falando sobre o cheiro feminino que o deixou encantado. Quase desistiu de mandar o bilhete a ela, porque julgou-se atrevido demais e temeu que ela se sentisse constrangida. Mas sentia no peito que não deveria desperdiçar aquela chance.
Quando o garçom entregou a pequena carta a ela, o coração dele batia forte, doido e ele sentiu vontade de sair correndo dali. Vontade que se desfez quando ela sorriu, ainda olhando para o papel. Em seguida, a moça levantou a cabeça e os olhos dela encontraram os olhos dele, numa sequência de fatos que não poderia ser mais perfeita.
Ali começava uma história, por conta de um perfume que ele sentiu e que ninguém mais sentira. Muitas vezes, ele colocava a música do Geraldo para tocar. Eles tiravam do lugar os móveis do pequeno apartamento e dançavam colados. Na cama, ele sempre sentia aquele cheiro feminino, que era só dela, não havia outro igual.
Viveram aquela história com toda a intensidade que ela merecia, da maneira mais inteira que puderam viver, mas tiveram que seguir separados depois de um tempo, cada um no seu caminho.
Ontem, quando ele entrou no mercado público da cidade, um movimento diferente chamou sua atenção. Um grupo distribuía mudas de árvores frutíferas. Ele se aproximou e foi surpreendido por um rapaz que rapidamente colocou uma muda em suas mãos. A muda era de laranjeira e o cheiro não demorou para tomar conta dele. Aceitou a muda, levou-a para casa e plantou-a no quintal. Volta e meia, quando passa perto dela, ele sente a energia nostálgica daquele encontro do passado. Às vezes fecha os olhos e mergulha, inebriado, no perfume da laranjeira. Viaja nas lembranças daquela moça bonita, por quem se apaixonou perdidamente na juventude e dançou colado ao som do Geraldo.
*Larissa e Raul são apresentadores do programa Ficha Técnica, que faz parte da programação da Rádio Assembleia, 89,5 FM. A proposta do programa é apresentar, a cada edição, informações sobre um importante álbum da música brasileira. Nos trinta minutos de programa, o público acompanha curiosidades, opiniões, músicas e histórias relacionadas ao disco. Esse texto integra a sétima edição do programa, que tem como tema o disco “A luz do solo”, de Geraldo Azevedo. Os programas estão disponíveis no link http://www.al.mt.gov.br/institucional/radio-assembleia/24/visualizar