Por Ricardo Machado
Paraízo é o sul de uma cidade em que aprendemos a tratar tomando o passado como presente. A respeito deste passado, a literatura, e mesmo a história, até hoje foram pouco além de uma narrativa da saga civilizatória de abnegados homens e mulheres (principalmente homens), que com devoção e trabalho construíram uma cidade ordeira em meio à floresta tropical. O orgulho das origens é o que justifica uma sucessão de celebrações, monumentos, festividades que, como Sísifo, repetem interminavelmente a dura labuta de carregar o peso da repetição de um passado grandioso, justificando a ausência de horizonte das vidas que se realizam no presente. Como na alegoria das raízes, durante muito tempo a história de Paraízo resumia-se a celebração dos que nos antecederam, como se na origem estivessem contidos os valores mais elevados da nossa civilização que parecem se degenerar com a passagem do tempo.
Marcelo Labes mostra que a história de Paraízo é muito mais do que um passado que deveríamos nos orgulhar e celebrar. A literatura como teogonia já não interessa, os deuses de Labes são demiurgos, têm uma origem baixa, carregam a mesquinhez e paixão que nos fazem humanos justamente porque lidamos com a certeza de que um dia todos desapareceremos. Por isso, ele abre o portão da casa de Hans e Anna para podermos acompanhar o dia a dia da vida que se realiza no enfrentamento da escassez, do isolamento e da falta de informação. Seus personagens vivem à espera de um acontecimento que os retire de suas monótonas rotinas. Labes nos convida a sentar ao lado daqueles que flertaram com a loucura, dos que não conseguiram mais se manter em silêncio, dos que em uma catarse trazem à tona histórias de outros lugares, de outras gentes que ressuscitam mesmo já tendo sido mortas duas vezes.
A vida não será mais a mesma quando o passado for outro. A beleza da memória está na sua condição sublime, como a potência de um vulcão que destrói, queima, mas nos deixa extasiados pela beleza da força do nosso encontro com a finitude e com a esperança daquilo que virá. O encontro com a memória cria movimento, exige partir novamente em busca de fragmentos do passado que se encontram dispersos, rasurados, mas que, pouco a pouco, nos apresentam a multiplicidade dos tempos históricos. Só então conhecemos as histórias daqueles que foram embora, daqueles que buscaram encontrar suas origens em outro lugar e daqueles que ainda sonhavam encontrar tesouros.
Com Paraízo-Paraguay, o poeta Marcelo Labes encontra na prosa uma outra maneira de fazer poesia. Assim como Roberto Bolaño, Labes sabe que a literatura de qualidade é um salto no vazio, é estar junto daqueles que correm na beira de um precipício. Por isso hoje, mais do que nunca, literatura é um ofício perigoso.
*O romance de Marcelo ficou em segundo lugar no Prêmio Machado de Assis da Biblioteca Nacional. Para adquirir o livro acesse aqui:https://caiaponte.wordpress.com
Ricardo Machado é Doutor é História pela UFSC (Universidade Federal de Santa Catarina) e professor de Teoria da História na UFFS (Universidade Federal da Fronteira Sul). Contato: ricardomachado1982@gmail.com