Paula Bajer Fernandes (PBF) e Elvis Prado Lopes são cúmplices, sei disso. Seu pen drive possui um arquivo, não sei se em PDF. Desconfio de Elisa, de Mona Lisa, do renascimento da Gioconda, esse ser apolíneo. Se há assassinato me parece dionisíaco. Não sei bem. Mas o Dr, Magreza, casado com Elis, gordinha, segundo Elvis. E Lidu, que emagrece e altera o cardápio do restaurante. Não sei o que digo de Darlene, por ora, melhor nada. Mas não me parece um romance policial, como imaginei de início. Mas nove tiros. Fico a pensar nessa quantia toda.
1) Penso que Paula constrói uma narrativa cheia de inventividades. Há premissas da linguagem jurídica na constituição do texto. O que parece sintomático de um relatório policial, um histórico integrante dos autos de qualquer processo penal, surge como experimento de linguagem híbrida. E divertida. “A madeleine do vizinho, não. Ela que fotografasse a própria, na hora certa, no fim do jantar. Esse é um dos fatos lendários do restaurante. Não se sabe se aconteceu. Eu é que não inventei” (FERNANDES, 2014, p. 14).
2) Não se sabe do acontecido, mas há tal citação. Que espécie de relatório que embasa uma condenação pode trazer tal disparate, me interrogo. Elvis traz um tom confessional para seu trabalho. A redação condena sua falta de jeito para a investigação. Não digo incompetência, mas inabilidade na construção frásica, talvez. “Eu não saberia escrever um romance policial. Sou muito discursivo. Gosto de fazer análises. Eu não deveria ter estudado direito” (idem, p. 23). Paula tem apreço pelo jornalismo. As páginas policiais são usufruto de verborragia plena.
3) O texto se desdobra repleto de aspectos confessionais sobre os quais o escrivão [novato na profissão] deixa transparecer um conjunto de lacunas que demanda certo desprendimento dos fatos para compreender a lógica interna de cada um dos participantes do evento. Não sou do tipo que vai ao final do livro para ver o que acontece. Lembro-me do livro de Ivan Ângelo, “A festa” que, ao final, traz em páginas azuis um fichário de cada um dos personagens suspeitos de praticar um crime. Pena que as edições seguintes do romance excluíram a coloração azulada que destacava o fichário do texto, o que dificulta visualmente perceber que se tratava de um glossário, ao invés de mero apêndice.
4) Elvis continua sua busca de compreender as razões pela qual Magreza insistia em minimizar suas preocupações do novato com o processo em curso. “Eu lia muito jornal. E lia internet. Escrevia. Escrevia qualquer coisa. Escrevia de tudo. Às vezes, crônicas. Textos que eu chamava de crônicas” (idem, p. 31). É de se notar que o aspecto metalinguístico utilizado por Bajer insiste em se fazer presente. Segundo Mário de Andrade, conto é tudo o que o autor que escreveu chama de conto. Penso que por essa lógica, Elvis está correto. Crônica é o que ele chamaria de crônica.
6) Preocupada com a verossimilhança e utilizando técnicas de envolvimento do leitor com o fio condutor da narrativa, faz uso de procedimentos que, como comenta em entrevistas e textos avulsos, traz da experiência com a escrita criativa, com leituras literárias de seus textos em grupo, por outras vozes, o que a ajuda no encontro da própria voz. “Não sei porque a pessoa quando atende a porta, se refere a ela mesma na terceira pessoa” (idem, p. 98).
7) Elisa é casada com o delegado responsável pela apuração do crime de Chef Lidu. Darlene, casada com o dono do restaurante, foi amante do delegado, tempos atrás. Monalisa trabalha com eles. Seu namorado é ciumento. Darlene sabe que o marido tem uma amante. Descobre quem é. A referência à Mona lisa com seu sorriso com mais de oitenta por cento sendo considerado de felicidade, segundo pesquisa citada em algum ponto da narrativa, induz o leitor a concluir que “Uma pessoa que fica com as mãos meio cruzadas enquanto milhares de pessoas, de diversas nacionalidades a admiram, fotografam, e não precisa discursar, só olhar, deve ser feliz. Imagino como será a Mona Lisa à noite, quando ninguém estiver olhando” (idem, p. 207).
9) Uma reviravolta no caso inocenta o culpado apontado em juízo, anos atrás. Segundo Elvis, tudo isso não passa de ficção. Acho melhor vocês procederem a essa leitura. Há fortes indícios de que ele, a título de complementação do memorial do crime, esteja falando a verdade. Mas acho que lerei de novo para ver se adquiro alguma certeza, por mais elementar que seja, caro leitor.
FERNANDES, Paula Bajer. Nove tiros em Chef Lidu. São Paulo: Circuito, 2014.