Lembro muito bem do importante papel que os fanzines desempenhavam nos anos de 1980. Dos movimentos undergrounds, no rock, no punk, na poesia marginal, fui ávido devorador de fanzines, era uma maneira de fazer circular produções que estavam à margem dos sistemas editoriais, bastava reunir alguns colaboradores produtores de conteúdo, arte design, xerocava e pronto, de mão em mão, a circulação estava garantida, nas portas de shows, nos bares, nas universidades, praças e escolas, nas ruas. Sempre foi altamente politizado, sempre foi do contra, sempre alimentou o conceito de contracultura, um modo de protestar, de colocar ideias e conteúdos que estavam fora do sistema.

Muitos ainda mantém a pegada Zine, publicando e levando suas mensagens, artes, linguagens, para circular de mão em mão ou pelas mãos. Uma forma de alimentar a paixão pelo formato, suporte. A cena punk, movimentos anarquistas, feministas, artistas underground, bandas de rock, grupo e movimentos ainda se articulam fazendo arte no suporte Zine. Uns mais evoluídos com artes instigantes como esse Reboco Caído, que entrou em contato com o Cidadã(o) Cultura para mostrar suas publicações. Foi daí que ampliamos a conversa e o contato com o resistente editor Fabio Silva Barbosa. Resistência Zine, podemos chamar!

Fábio da Silva Barbosa

É Jornalista e escritor, dedica sua vida ao trabalho de registrar nossa barbárie social, além de produzir e se expressar através de formatos pouco convencionais, bailando entre o consciente e o inconsciente, unindo a realidade brutal do nosso tempo a delírios e viagens rumo a novas possibilidades. Idealizou e realizou diversos projetos, como o Comunidade Editoria (junto do sempre irmão Luiz Henrique) e o Impresso das Comunidades (com o companheiro de infância Alexandre Mendes). Entrou para o mundo dos fanzines no final de 89 e até hoje produz esses veículos de forma independente. Com Winter Bastos e Alexandre Mendes, Fabio lançou o livro Um ano de Berro – 365 dias de fúria, pela Editora Independente, de Brasília. Participou do livro Cumplicidade das letras (coletânea reunindo o trabalho de diversos poetas). Foi convidado pelo amigo Victor Durão a participar do programa de rádio Hora Macabra, onde ficou certo tempo fazendo parte da equipe. Além dos blogs onde divulgava o material que saia em seus jornais impressos, ele ainda criou dois outros para dar vazão a suas experiências e criações. Ambos, o Inverso&aocontrario e o Reboco Caído, sumiram da internet, mas conseguiram manter seus leitores com acesso a atualizações diárias durante seus anos de existência. Organizou alguns materiais em dois PDFs que foram lançados de forma gratuita na internet (A Saga do Jornalismo Livre e Quem somos nós?). Atuou em parceria com o artista e militante Eduardo Marinho em experiências como o fanzine Pençá e a iniciativa Vídeo-Garagem. É Assessor de Imprensa da Amarle (Associação de Moradores e Amigos da Rua Laurindo e Entorno) e vem participando do Grupo de Estudos e Oficina Roda Vivia, que pretende iniciar suas atividades no interior de presídios. Contribui para vários veículos impressos e via internet.

Fábio – “O Reboco caído circula por todo o Brasil e até por outros países. Não tenho muito controle sobre isso, pois existem pessoas que tiram cópias das edições impressas e repassam e ainda tem a versão digital que sempre sai simultânea a versão impressa e que é repassada pela galera que acompanha por e-mail e em outras plataformas..

Há pouco tempo um amigo foi em uma fanzinoteca da Europa e encontrou algumas edições por lá. A edição que saiu uma entrevista com uma banda da Galícia (W.A.B.), por exemplo, circulou bastante por esta região. O primeiro número saiu em outubro de 2010 (estamos indo para 10 anos de estrada).

Durante este tempo já tivemos vários colaboradores. As capas já contaram com nomes como Henri Jaepelt, Márcio Sno, João da Silva, Batata Sem Umbigo, Jorginho, Diego ElKouri e vários outros. A próxima será do Eduardo Marinho e deve sair no número que deve estar brotando até o início do próximo mês. Escritos já tivemos do Panda Reis, Rojefferson, Profano, Wagner Teixeira, E.Gibson e muitos outros. Entrevistados também já tivemos vários.

A versão impressa é bancada pela galera que acompanha meu trampo desde antes do Reboco. Consigo arrecadar fundos para impressão, cópias e correio através da venda de pacotões de zines e materiais independentes (onde envio material que tenho disponível e que me chega via correio) e de meus livros.”

 

- Em tempos virtuais, continuar o processo de publicações baratas e a circulação de mão 
em mão ainda é eficiente?

Sim. É um outro tipo de ferramenta. Costumo usar vários tipos de ferramentas, vários formatos. Acho que um meio não anula o outro. Isso lembra quando surgiu a tv e todos diziam que o rádio acabaria, ou os veículos digitais e todos diziam que o jornal impresso iria desaparecer. Estes meios são capazes de coexistir e inclusive de se complementar. Em tempos de cd ainda vemos o bom e velho vinil rolando por aí. O som é outro. Lógico que as novas tecnologias abocanham uma grande parte do público e trazem outras possibilidades, mas não substituem. Pra mim é muito claro que são coisas completamente diferentes. Receber um zine pelo correio, abrir e sair lendo plea rua é uma experiência completamente diferente de ler um blog. São outras possibilidades, se trabalham outros sentidos. Sem falar que você pode tirar um site do ar, mas como impedir um zine de rolar? É algo muito mais clandestino e incontrolável. É a guerrilha das letras.

Quais os locais - localidades - territórios - em que essa circulação acontece?

Os zines circulam de forma fora de controle. Tem a ver com o final da minha resposta anterior. Ele caminha pelo submundo. Já tive notícias do Reboco Caído circulando por vários países. Existem pessoas que tiram cópias e multiplicam a ideia e quando vejo a tiragem que era x passou a ser y. Sem falar que existem os que leem e repassam. É muito louco.

Como resistir culturalmente em uma sociedade que criminaliza a arte, os processos 
culturais, os artistas?

Resistir é preciso. Por mais difícil que seja, temos de continuar indo a diante. Não podemos retroceder. Cada um com sua forma de se comunicar e se expressar deve ser um movimento rumo a algo mais elevado que essa sociedade retrógrada que nos cerca. E devemos aprender sempre com nossos erros para não cometer os mesmos. Afinal, durante muito tempo se via artista de oba oba querendo se integrar a esse sistema vil, fingindo estar no mundo das balinhas de goma. Talvez o ponto em que estamos chegando seja necessário para dar uma sacudida geral e as pessoas começarem a lembrar de certas coisas.

Por que fazer arte?

Qual a opção? Ficar em casa assistindo televisão? Eu não. Tá louco.

Como vê o futuro da arte e da cultura brasileira?

O futuro que se apresenta não é dos melhores e o horizonte está sombrio, mas nada está pré determinado. As coisas podem mudar a qualquer momento. Só espero que não demore muito, pois a cada dia que passa a situação fica mais difícil de se remediar.

Arte é (p)arte da política?

Depende do ponto de vista. A princípio arte é arte e política é política. Mas, se começarmos a analisar com um pouco mais de profundidade e dermos aquela viajada,  podemos lembrar que política não se resume a ir votar de tanto em tanto tempo. O ser humano é um ser político, assim como um ser cultural. Tudo que ele faz é política. Sua relação com o vizinho é política. Ao mesmo tempo ele também  produz cultura em cada ato. E arte como resultado dos atos e vivências do ser humano acaba por ser cultural e político. Estamos falando de expressão, de comunicação, de exteriorizar o interior. E o que se passa no interior antes foi levado para dentro, começou fora. É a devolução do digerido e do indigesto. É a transpiração e a regurgitação. É o grito e o sussurro. É o código.

Por quê publicar?

Você vai escrevendo, juntando papel, e acaba que alguém encontra ou você mostra e a coisa meio que acontece por si só. Daí você vai compartilhando com cada vez mais gente e a coisa vai tomando o rumo que tem de tomar. Em uma época fazia meus cadernos de poesia e descobri que um amigo também tinha um material escrito. Daí começamos a nos reunir para fazermos loucos saraus em dois. Todo material que escrevi naquela época rasguei, botei fora, incendiei… Ficou só para aquele momento. Mas aí vem aquela coisa da galera que lê o lance e se identifica e mostra para outros… Sei lá.. Comigo, pelo menos, a coisa foi rolando. Foi funcionando como uma troca. Talvez aquela troca tão gostosa que fazia a dois teve oportunidade de ser mais ampla  e se dar com um maior número de pessoas.

Zine é atitude de resistência e de experimentação estética e política?

Isso também. O zine, como tudo, é uma ferramenta, um suporte. Cada um usa de acordo com sua vontade, com suas necessidades.

Quem paga as publicações? Existe mercado para os zines?

Existe um mercado sim. Cada um faz de acordo com suas possibilidades. Eu vendo meus zines e livros para custear publicações futuras. Existem os colaboradores que chegam junto e apostam na viagem através de colaborações espontâneas e estes são muito importantes para a coisa funcionar. Faço também pacotões de materiais para enviar em troca destas colaborações espontâneas. Sempre recheio de acordo com a contribuição para não ser injusto com ninguém. Muitas vezes tenho de tirar do próprio bolso. Quando isso acontece, atrasa um pouco mais o processo. O próximo número, por exemplo, já era para ter saído, mas as vendas de materiais foram fracas esse mês e ainda não chegou nenhuma colaboração, então estou juntando as pratas para fazer fluir.

Quem paga a conta do artista?

A minha conta eu mesmo pago. Trabalho como educador social e tenho de manter minha família e conseguir fazer sobrar algum para manter os projetos mesmo em épocas de vacas magras.

Existe espaço para uma arte livre e independente?

Claro que existe. Minha produção é, e tem de ser, sempre assim. Se não, não faz sentido. É um caminho árduo, que depende de muita persistência, resistência e insistência.

 

 

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