Por Regina Beatriz Guimarães Neto*
Vivemos tempos trágicos, diretamente ligados a nós. Não estamos fora da paisagem social, mas imersos nela. Somos personagens das histórias – das histórias de vida e morte – que se imbricam umas às outras e expressam nossos sentimentos de maneira multiforme e simultânea. São sentimentos contraditórios, algumas vezes coerentes, outras, muitas outras vezes, completamente incoerentes. Entre isso e aquilo, entre pensamentos que apaziguam e outros que colidem e destroem verdades, convicções e crenças (coisa boa!), somos lançados em um mar de incertezas vitais. Nossa alma flutua nas saudades, memórias e abraços… e medos, mais medos.
Como dizem diversos escritores romancistas – e nós historiadores e historiadoras gostamos muito do que dizem – não são as grandiosas marcas criadas para produzir a identidade das regiões, dos países, das cidades e suas amplas avenidas, exposições de construções e monumentos que nos contam das experiências e dos segredos do seu dia a dia. Pelo contrário, nos relatos que adentram esse “mundo” o coração pulsa nos detalhes, nos gestos e vozes, nos modos de fazer e inventar o cotidiano dos grupos sociais que as habitam.
Mesmo na paz da nossa casa, para mim e meu companheiro – nosso casulo – a incerteza me habita e a inquietude me atormenta. Meus amigos e amigas, nossos filhos e nossas filhas, irmãos e irmãs, tias queridas, pai… Estão bem?!!! Logo me vem as imagens também de pessoas desconhecidas que clamam por solidariedade diante do sofrimento. Há angústias que tentamos dispersar ao escrever, ler e conversar pelos mais diversos meios, especialmente vídeos, porque queremos ver e até sentir os rostos, o sorriso carinhoso e o compartilhamento das emoções. Em meu caso, tenho a sorte de tudo dividir com o meu companheiro de todas as horas. Um acalma o outro. Mas, a cada espirro, a cada tosse, a cada mal-estar – antes corriqueiros – há uma indagação no ar! Sempre olhamos um para o outro, numa linguagem muda: quero que você viva!
Reagimos às saídas de casa com mil perguntas que ensejam dúvidas e inseguranças.
De outra parte, minhas análises e sentimentos se baseiam também em outras avaliações. Vários filósofos, filósofas e estudiosos de outras áreas das ciências vêm debatendo o individualismo na sociedade neoliberal, o caos da saúde, a fome por lucro dos grandes bancos e empresas financeiras, a precariedade e a vulnerabilidade dos trabalhadores – distribuídas de forma completamente desiguais – que enfrentam o desmonte das legislações trabalhistas. Resultado de lutas históricas para assegurar direitos sociais e sobretudo direitos humanos, como a filósofa Judith Butler e a historiadora Angela de Castro Gomes defendem. A pandemia era algo anunciado, especialmente em diagnósticos científicos, fruto da inexistência e/ou da ineficácia dos sistemas de saúde mundiais. Além disso, deve-se acusar as comercializações criminosas de espécies de “animais selvagens”, como na China, no Brasil e em vários lugares do mundo, e dos desmatamentos de florestas, como na Amazônia em que os cientistas já estão alertando para possíveis focos de epidemias, causados pelos desflorestamentos. Os crimes ambientais de maneira geral colocam em risco o equilíbrio biológico de várias espécies animais e vegetais; organismos como bactérias, fungos e mesmo vírus fazem parte da vivência comum – para o mal e para o bem – no planeta Terra. Conviver, coabitar, coexistir se tornam condição para a vida.
Recife, 17/05/2020
*Regina Beatriz é professora do Departamento e da Pós-graduação em História da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), e pesquisadora do CNPq.