Emildo Coutinho

Essas coisas de idealizar a infância como um momento áureo nunca lhe soou insuspeito. É que quando somos adultos, responsáveis por nossos atos, nossas contas, nossa lida com a vida e, ainda, nos vemos responsáveis por outros seres, olhamos para a romântica aurora de nossas vidas e concluímos que a despeito de tudo ainda era melhor; não havia a imensidão que carregamos no ombro.

Sempre que leva o Filho à escola, pensa assim.

O pequeno já é pré-adolescente e quebra o silêncio da ida perguntando Papai cê já acordou no meio da noite e quis voltar a dormir pra terminar um sonho?

O Papai nota que lê algo no celular, de lá tirou a questão, proveniente de algo enviado no zap, tipo confesse que já fez.

Não, sonhos nunca são bons… De forma que não faz sentido algum tentar dormir para concluí-los. É um tal de voltarmos a lugares nos quais não vivemos mais e lá tentar encontrar algum amigo que ficou preso no passado e nunca conseguir; é o carro que quebra, a perda da chave, da lembrança do endereço correto, milhares de contratempos que causam angústia. Sonhos, de fato, são variações de intensidade do que chamamos de pesadelo.

O Filho ouve e pensa, ele tá certo; sim, é bem assim mesmo, desta vez tenho que admitir que ele não tá se fazendo de vítima, não tá sendo pessimista como sempre é ou ainda exagerando, levantando ondas num copo d’água, como de costume; desta vez Papai tá certo, tenho que concordar.

E quer saber mais? Quando o pesadelo pega pesado e gritamos no meio da noite, com um cobertor tapando nossa cara e desesperadamente tentamos nos descobrir, tirando de sobre nós algo que parece infindável, como se estivéssemos no meio de um oceano, um oceano de cobertor, entende?, e estamos desesperados, o ar findando e assim acordamos no meio da noite aos gritos de Pai, Pai, Pai!!!, além dele não vir, despertamos e sabemos que no dia seguinte haverá alguma espécie de consequência. Especialmente porque na cama ao lado dorme o Viajante que trouxe notícias do Tio Materno que sumiu após um caso de molestamento sexual infantil na família.

Este último omite, apenas lembra, para poupar o Filho.

Quando lá chegar e prosear com meu fio contará sobre isso… – diz a Avó Materna.

Nunca mais faça isso!!! – alerta o Pai, como se pudesse controlar com as palavras os pesadelos do pequeno.

Hahahahahaha!!! – faz o Irmão que vem correndo na manhã seguinte com mais uma atitude do que hoje nomeamos de bullying.

Ficam ambos em silêncio, até chegar à escola.

Te amo, Filho.

Te amo, Papai.

 

Emildo Coutinho é escritor, jornalista, professor de inglês-português e mestrando em Linguagens e Tecnologia na linha Estéticas, Modernidade e Tecnologia, na Universidade Tecnológica Federal do Paraná (UTFPR).

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