Muitas vezes nos deparamos com um objeto quebrado, destituído de sua função original, de seu sentido de utilidade, destroçado e aparentemente irreparável em seu dano, de tal forma que o descartamos, num gesto de desprendimento ou desprezo pelo fato de que não nos importa mais sua existência, pois não há mais sentido algum sua permanência em nossas vidas.

No entanto, invariavelmente, encontramos em nossas gavetas, no fundo de armários, em caixas empoeiradas pelo tempo, pedaços de coisas partidas, espelhos rachados, carretéis sem linha, tesouras cegas e sem corte, meias sem par, escovas de engraxar sapatos, (quem faz isso hoje em dia?), xícaras sem alça, colares sem fecho, relógios quebrados nos  quais os ponteiros marcam uma hora derradeira, a hora aleatória e cruel por ser o instante em que o sentido de ser daquele objeto acaba. O esquecimento e o descaso tratam de recolher esses restos à obscuridade de uma aparente não existência.

E ali permanecem no silêncio de um exílio de pré morte até que um dia o destino final será o descarte no lixo que os carregue para longe de nossas vidas.

No entanto, em alguns momentos de mágica dramaticidade, pode, um objeto destruído, voltar a integrar o mundo das coisas vivas, mesmo que sejam inanimadas.

Falo por conta da ressignificação de uma taça partida em cacos de fino cristal sobre o piso branco. Doeu em mim o estalo dos cacos estilhaçados sobre o chão de ladrilhos. Num gesto afetivo recolhi cuidadosamente todos os pedaços. Recolhi até mesmo aquela poeira brilhante que espalhava-se ao redor da taça em pedaços. Guardei cuidadosamente em uma caixa de sapatos, coberta com um papel de seda branco.

De tempos em tempos abria a tampa da caixa e contemplava o objeto quebrado num suspiro profundo, imaginando porque não me atrevia jogá-lo ao lixo. Uma angustiante apatia parecia me impedir de dar-lhe um fim e livrar-me para sempre da ideia de que poderia reconstruir a taça partida em dezenas de cacos.

Talvez essa taça secular estivesse ainda tão carregada de sentidos, de histórias, de amor, de memórias afetivas, que eu num insight criativo poderia vislumbrar um meio de trazê-la de volta a vida.

Então, depois de alguns anos, aconteceu. Recolhi com cuidado os estilhaços do fino cristal e me dediquei a montar o quebra cabeças. Caco por caco. Dei-lhe uma nova condição de resistir no mundo. Criei um bojo de couro dourado, apliquei filetes em curvas e volutas cobrindo suas rachaduras aparentes, numa exaustiva tarefa de restauração. Reestruturei sua base com cuidado.

Ao final de tudo tinha em minhas mãos um objeto mágico, belo, incrivelmente único, uma taça na qual não beberei vinho algum, apenas a emoção de devolver a vida aquilo que parecia irremediávelmente perdido.

 

 

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