Demétrio Panarotto
traveling
não sei quem dança com a imagem
quando ela trepa com o poema
em uma rua escura
sob a luz mal-assombrada
— do poste —
que pisca e
muda a cena
corpo não
zenital
não sei quem aqui já fez amor
escorado em um muro e apoiado
em um corpo sem rosto
mais quente que a noite fria
sob uma neblina densa
líquida em que o gozo
forja balões
sempre impronunciáveis
de uma história em quadrinhos
Contra-plongée
não sei quem já esqueceu
a língua úmida
porosa muda
em um umbigo assimétrico
que foi o centro sentido
do tempo
e que no dia seguinte
sentiu vergonha de busca-la
ao precisar controlar os olhos
magnetizados pelo imponderável
Plongée
não sei quem já se despiu
e se despediu
tantas vezes tantas
imaginando que seria a última
que não foi e talvez não será
e a cada retorno
um semblante de desespero
diante do apocalipse
provocado pelo corpo
pele pêlo porra
câmera na mão
não sei quem
em momentos póstumos
se recorda mais do trâmite
do que do coito
mais do trâmite do que do coito
sem perceber que
não se precisa
montar um teorema
pra explicar a vida
simplesmente
nada mais que
matéria de poesia
Demétrio Panarotto nasceu em Chapecó-SC, em 1969. É doutor em Literatura e professor universitário. Publicou, dentre outros, Ares- Condicionados [Nave, 2015], O assassinato seguido de La bodeguita [Butecanis Editora Cabocla, 2014]; “15’39”” [Editora da Casa, Alpendre 2010], Mas é isso, um acontecimento [Editora da Casa, 2008], mais alguns discos e alguns filmes. Vive em Florianópolis-SC.”