*Por André Balbino
Última apresentação da semana violeira no Sesc Arsenal. Caio Mattoso me pega em casa, vamos tocar numa dessas invasões de estudantes que acontecem por cá, a política ferve no país inteiro. Após tocarmos três músicas a polícia chega e interfere na manifestação, proibindo-a, descemos do caminhão-palco, pegamos Jú e Teresa e fomos pro Sesc Arsenal meio frustrados e meio aliviados por não ter ocorrido nenhum tipo de violência. Encontramos Verônica, trocamos nossos litros de leite por ingressos e fomos assistir as violas em concerto dos músicos Fernando Deghi, paulista de Santo André, e Marcus Ferrer, carioca de Rio de Janeiro.
Dois “cabeções” da viola caipira de concerto, o Fernando tocando composições de violeiros compositores o Marcus tocando peças compostas por maestros para a viola caipira. Explicam que na década de 1960 alguns maestros compuseram para a viola caipira peças eruditas tais como, Guerra Peixe e Theodoro Nogueira, dos quais, o Marcus Ferrer tocou respectivamente, “Prelúdio n° 5”e “Prelúdio n° 4”. O Fernando Deghi nos mostra uma peça linda do Ivan Vilela, “Armorial”, música que vem num crescendo, cheia de ornamentos com grau altíssimo de dificuldade, muito bem tocada por esse formidável violeiro(aliás que time de craques o SESC nos ofertou nessa semana).
O instrumento que o Fernando trouxe para essa apresentação é um capítulo à parte, a viola harpa, instrumento adaptado das harpians guitars, instrumento inventado pelos norte- americanos em mil oitocentos e poucos (no dizer do Deghi). O Fernando junto com a Lutheria Ferroni, fabricaram esse instrumento interessante. É uma viola caipira normal no meio, acima do bojo dessa viola mais um bojo em arco, com cordas duplas grossas, abaixo, no próprio bojo da viola, uma série de meias cordas (pequenas cordas) duplas bem agudas com som de harpa.
Nessa noite as violas eruditas mostraram como esse instrumento é versátil qualificando-o em qualquer nível da expressão musical, não tem limites para nossa velha violinha. O Marcus Ferrer tocou uma composição do nosso magistral maestro, violonista, violoncelista e violista (como ele mesmo afirma sobre tocadores de viola), Roberto Victorio, foi o “Prelúdio n° 10”, uma música quase sem pausas, difícil que só vendo, aliás esses dois últimos violeiros mostraram que na viola, para eles, não tem segredos, o que tem é uma atitude de muita humildade e muito estudo de horas e horas por dia para o conhecimento aparecer e ficar.
O Marcus colocou, de novo na roda, os preconceitos que cercam a viola caipira. Dessa vez citou um caso que ocorreu em uma universidade, lugar onde se pode esperar um pouco mais de tolerância, mas, vê-se que longe disso, esse “tar” de preconceito assola por tudo que é canto. Mas a viola caipira resiste “seu mano”, resiste bravamente se colocando até em lugares de concerto.
O Fernando tocou “Parecença” do Roberto Corrêa. O Marcus veio de “Em casa de Ferrer, viola de pau”, música do maestro de Brasília Jorge Antunes, uma peça bem Contemporânea que em certo momento ele toca a viola com um arco de violino, super interessante. O Fernando “ataca” de “Canários”, música de Gaspar Sanz, compositor guitarrista da época barroca, música composta para guitarra barroca que é um instrumento de dez cordas também, música linda que o Fernando executou com maestria. O Marcus tocou música de Marisa Rezende, pianista compositora, do Rio de Janeiro, composição contemporânea de nome “Pssssiu!…” , cheia de pausas, estranha, mas ao mesmo tempo instigante.
Deixei-me levar, a correr riscos com esses caras “malucos”, no ótimo sentido, desfrutei dessa proposta e quis mais, ao finalizarem com “Casa dos anjos”, de Rogério Gulin, violeiro compositor do Paraná. Chego ao final de uma semana maravilhosa, que me elevou em todos os sentidos, como músico, como compositor, e como um apaixonado por esse instrumento tão delicado e versátil. E teimoso, pois até hoje se impõe, apesar de tanto preconceito e proibições que vem sofrendo durante séculos, e que hoje em dia cada vez mais se afirma e se coloca em todas as áreas da criatividade musical.
Então…foi assim…semana de violas brasileiras…de frio em Cuiabá…pouco público, fiquei sabendo que pelo Brasil afora os teatros lotaram…uma pena que poucos privilegiados assistiram tantas apresentaçóes de alto nível…é o Brasil e suas idiossincrasias, suas disposições e indisposições, a cultura sempre avança, isso me move, valeu!
André Balbino é violeiro, desenhista, pintor e poeta nas horas vagais. Nasceu em Guiratinga MT.