Entrevistei o fotógrafo Tchélo Figueiredo sobre sua exposição “Os cinco elementos do cerrado“, que ficaria até o dia 20, no 1º piso do Goiabeiras Shopping, em Cuiabá. Já acompanhava o desenvolvimento do trabalho, afinal, são seis anos deste projeto de nu artístico. Ao saber do local, imaginei que algumas pessoas poderiam ficar incomodadas, mas nem de longe pensei que as fotos fossem gerar tanta polêmica.

Teve bispo que considerou a arte até satânica, com referências ao ocultismo, por ter uma mulher nua em meio ao cerrado, com uma máscara de animal. Não considero as fotos de Tchélo chocantes ao ponto de não poder olhar para elas. Pelo contrário, são fotos com uma composição interessante, são artísticas, e nada tem de vulgaridade. Como ele mesmo disse: vemos coisa pior na TV, na Internet, na publicidade. E é o que é, afinal as mulheres são objetificadas o tempo todo para tentar se vender mais cerveja.

Carol03

Muitos usaram como justificativa que as crianças não podem ser expostas a este tipo de arte, ou que não são “obrigados” a ver as fotografias. Ora, as crianças hoje em dia são bombardeadas com todos os tipos de informação, e estão conectadas em uma realidade totalmente diferente daquela que os adultos conheceram em sua infância. As crianças aceitam com naturalidade, são os adultos que tem seus traumas, medos, e refletem todas as suas experiências em algo que não conseguem apreender.

Mas, todos os ingredientes estavam ali para dar a tônica perfeita da polêmica com tom provinciano. No mesmo dia que mais de 50 pessoas foram assassinadas em uma boate em Orlando, revelando toda a intolerância e hipocrisia do ser humano, as fotos com conteúdo “impróprio” foram retiradas do shopping. Agora, a tradicional família brasileira está protegida da arte. Amém!

Kenny02

Após a censura, a Ordem dos Advogados do Brasil de Mato Grosso (OAB-MT) abriu o espaço da Galeria de Artes Silva Freire para acolher “Os cinco elementos do cerrado”. A iniciativa foi publicada no Facebook oficial da Ordem, com um estouro de likes, compartilhamentos, e em uma hora, a postagem já havia alcançado mais de 10 mil pessoas. Então, outros revés. A censura chegou até à OAB-MT, e diante de denúncias de conteúdo impróprio, retiraram a página do Facebook do ar, obrigando a exclusão do post.

A exposição vai acontecer de qualquer maneira e Cuiabá precisa se habituar a dialogar com a arte, a se reconhecer neste estranhamento, a incentivar a livre circulação de ideias e de debates, afinal, somos todos feitos de diferenças. Não podemos promover a intolerância em um tempo carente de cuidado, de amor com o outro. Não podemos aceitar a censura.

Hegla06

Uma lembrança que tenho, e que é muito bonita, são fotos da minha mãe, nua, em meio ao cerrado, à vegetação rasteira, em cachoeiras que sussurravam enquanto as fotos eram feitas. E são lindas. Nunca me causaram “estranhamento”. Pelo contrário, me inspiram desejo de sentir a mesma liberdade que a dela naquelas fotos. Seu sorriso sereno, o mundo aos seus pés. Todo seu.

Emma arvida
Série de Emma Arvida Brystöm

E lembrando de artes que me incomodam, quando estava em São Paulo em 2011, por aí, estava lendo a revista canadense “Vice” e umas fotografias de uma intervenção, realmente me chocaram. Nas fotos, uma série de mulheres aparecem menstruadas em situações do cotidiano. As imagens são de autoria da fotógrafa sueca Emma Arvida Byström, que fez a série “There will be blood”.

E existem outras séries/histórias que chocam muito mais do que a beleza do corpo humano nu. Lembro de uma intervenção da década de 80, infelizmente não encontrei o nome do artista, e as pessoas ficavam peladas, com os corpos cobertos por sangue, e havia órgãos de animais. Realmente chocante.

Aos intolerantes fica a difícil missão de tolerar, de saber quando é tempo de reconhecer e recuar. Temos que estar à favor do diálogo, sempre, senão corremos o risco de sermos autoritários e hipócritas, afinal, vivemos em uma sociedade que é hipersexual, e se não formos debater sobre isso com naturalidade, estaremos vestindo a máscara animalesca e apenas posando para fotos vazias de sentido.

Compartilhe!
Marianna Marimon, 30, escritora antes de ser jornalista, arrisco palavras, poemas, sentidos, busco histórias que não me pertencem para escrever aquilo que me toca, sem acreditar em deuses, persigo a utopia de amar acima de todas as dores. Formada em jornalismo (UFMT) e pós-graduação em Mídia, Informação e Cultura (USP).

2 Comentários

  1. o mais louco é que esses “pais” que falam pelos filhos são os que mais veem conteudo pornô na internet, santo hipócrita desfilando idéias negativas…………………….

Deixe um comentário

Please enter your comment!
Please enter your name here