Por Sika Ishizuka
Era um dia cinza com nuvens carregadas e bem escuras, prestes a cair o maior dilúvio na cidade grande e cheia de prédios. Eu, como uma pessoa que não se contenta com as paredes de minha casa, queria enfrentar o primeiro dia do novo ciclo que se iniciava. Esta etapa tão esperada, depois do pior ano de nossas vidas. Um ano pandêmico e sem piedade.
Eu e você. Não queria estar parada – embora as orientações fossem outras. Queria o movimento constante – embora soubesse de que corria perigo. E só você entendia meus anseios, como se lesse meus trejeitos como ninguém. Sei que entendia o meu compromisso de mostrar para este novo tempo, de que eu estava viva e não queria me entregar. Você me entendia.
Nos arrumamos para o dia cinza. E de uma forma espontânea, colocamos cores vibrantes, quase iguais. Coloquei meu melhor vestido e, no pé, meu All Star amarelo junto com as minhas meias brancas com girassóis. As mesmas que havia te dado meses atrás. E você, uma camisa branca com listras amarelas. Não combinamos. Mas nossa essência estava ligada.
Nos protegemos e ‘alcoolizamos’ da forma antiquada. Saímos como se o dia estivesse radiante. Mas mal sabíamos que estava prestes a cair o maior dilúvio dos últimos tempos. Era um sinal dos céus? Corremos para um abrigo mais próximo: uma entrada de um antigo prédio em uma esquina daquela avenida, cujo o consolo não existia. Sentamos nos poucos degraus que tinham por lá e começamos a rir desesperadamente da possível burrada que cometemos ao sair de casa. Mas estava incrivelmente ‘tudo bem’.
Decidimos esperar a chuva passar. Tolice. Até pararmos de contar as horas para contarmos os sacos de lixos e pedaços de árvores que desciam aquela avenida. Ela que mais parecia um rio de águas nervosas e violentas. Talvez tenha sido um dia. Não sei. Mas é como se a natureza fosse suprema naquele momento, e tivesse lavando e levando toda aquela sujeira para bem longe… -”Toda sujeira do último ano sendo levada pela força daquelas águas”, refleti. E nós ali, assistindo tudo aquilo sendo materializado.
O tempo passou e o dia ficou mais calmo. As águas baixaram e o sol saía das nuvens, querendo brilhar mais uma vez. O amarelo das nossas roupas refletia sobre o céu daquele primeiro dia. Era o sinal dos novos tempos? Gosto de pensar que sim. De que tudo mudaria, como do céu cinza escuro ao azul royal iluminado. E estávamos naquele lugar, naquele momento: radiantes e dispostos para esta etapa tão esperada.
Subimos à principal avenida daquela metrópole. Vimos as luzes brilhantes do que restou do Natal passado. Naquela noite, que poderia ser só mais uma em frente à TV de noticiários totais sem sentido, como nunca havia imaginado na vida. Mas era a nossa noite, como foi o nosso dia. Andamos de uma ponta à outra daquela avenida, em meio à diversos assuntos. Que vão desde as facilidades de tomar decisões por ser fã dos Beatles a comparar o Mc Donalds ao Brasil. Tópicos sem nexo, assim como as notícias do último ano.
A noite se acabava, assim como nossas energias. Mas o sentimento de dever cumprido tomava conta do nosso peito. Acho que vencemos todas as etapas dos desafios que foram postos, não é? Como uma missão cumprida. Uma nova etapa da vida se iniciava e estávamos prontos para o prêmio maior, com uma vida agraciada de recompensas maravilhosas. Sem pandemias ou coisas parecidas. E mesmo depois do ano e do dia de tormenta, parei, respirei e pensei: que bom estar com você nessa vida.
Sika é jornalista, artista e não sai de casa sem um guarda-chuva.