Era noite do dia 13 de Março de 2007.  O lançamento de “Machado e Lima: da ironia à sátira”, acontecia durante a primeira semana de letras da AJES, na cidade de Juína, noroeste de Mato Grosso. Foi a primeira vez de Álvaro Marins em solo matogrossense. Não sei se ele esteve por aqui em alguma outra oportunidade.

Conheço o autor desde o ano de 1986 quando, na Bienal do Livro de São Paulo, os poetas independentes foram postos com seus produtos ao final do pavilhão, porta de saída dos visitantes. Depois de terem gasto seus dinheiros com o “mainstream”, eram colocados à disposição dos alternativos. Lá circulavam, dentre outros, Miró da Muribeca (PE), Milton Aguiar (SP), Mário Pirata (RS), Álvaro Marins e Everardo Cantarino (RJ), estes últimos como representantes da Cooperativa de Poetas do Rio de Janeiro.

A poetada produzia diariamente recitais improvisados em que o melhor da performance unia de norte a sul a retórica poética tupiniquim. O comércio e troca de livros, camisetas, contatos, era incessante. Formávamos uma grande tribo. Naquele tempo, ser alternativo não era sinônimo de qualidade, as publicações eram simples, não havia o tanto de recurso que existe hoje em dia. O sucesso foi tanto que fomos convidados para abrir o show do grupo “Tarancón” no Teatro Sérgio Cardoso, e o fizemos por dois dias consecutivos – um show (o do Tarancón); uma beleza (nossa atuação).

Os anos se passaram (e eles se comportam assim mesmo) e dois anos depois (1988) eis que, morando na cidade maravilhosa, reencontro o autor de “Lobisomem às Avessas”.  Durante dois anos vendi livros no corredor do bloco de letras da UFRJ (1988 a 1990) e comercializei produtos da TABA, coletivo a que Álvaro era ligado – camisetas poéticas e cartões; como as que Milton Aguiar vende até hoje. Foi um reencontro bacana, desses que só quem viveu o processo da poesia independente, como herdeiro da poesia marginal pode compreender.

Estive com Marins em Brasília, em 2011, quando fui apresentar um trabalho em congresso da UnB. Discorri sobre as relações entre Macabéa e Bambi, personagens de Clarice Lispector e Ana Miranda, respectivamente, e mantivemos contato após sua vinda ao Mato Grosso. Álvaro já estava trabalhando no IBRAM e pensava em voltar ao Rio de Janeiro, pela instituição em que estava concursado. Deu certo. Fiquei sabendo algum tempo depois.

Adepto recente das redes sociais (ele), novamente nos encontramos e soube do lançamento de seu livro de contos “Suíte carioca e outros contos esquisitos”.  Aproveitei o momento e comprei (de chofre) três de seus livros. “Melhores Poemas Paulo Leminski” – seleção junto a Fred Góes, “a mulher do fuzileiro e outras quase histórias” e o novo. O intervalo de quatro anos entre um e outro livro de contos solidificou o estilo do contista.

Os temas não se reduzem às visadas cariocas, como o título do segundo induz; mas trazem mergulhos na existência de algo a mais do que a passagem do tempo nesta humanidade torpe, como a cruzada de um comerciante português à África muçulmana (Um homem chamado Pero de Covilhã), o universo mítico de Borges (A estranha história de Alejandro Rodrigues de Alarcón), o riquíssimo universo dos livros usados (Praça Tiradentes) no centro do Rio de Janeiro.

O escritor Álvaro Marins

De “a mulher do fuzileiro…” destaco o conto “Um assassino”. Reparo que Marins, para além da técnica e da construção de um estilo próprio de narrar, demonstra uma costura fina do tema, da linguagem expressiva que se impõe aos narradores e permanece fiel, independente de quem narra este ou aquele conto. Observo certa relação com a prosa rápida de Nelson Rodrigues, profundo conhecedor da malandragem carioca, no modo econômico e preciso de suas descrições do entorno.

É uma prosa com preocupações geográficas, no limite da necessidade que sente o leitor para que o princípio da verossimilhança seja respeitado. Mas há um salto para “Suíte carioca”, do segundo livro, em que esta sobriedade se agiganta. Liberto das escusas entre parêntesis “(quase ia dizendo o talhe)”, “(pronto, acabei dizendo)”, “(não posso dar mais detalhes em relação a isso. O máximo que posso dizer é que nossa seção pertence à esfera do judiciário)”, extraídas de “A mulher do fuzileiro”, em seu segundo livro o domínio sobre a técnica se faz muito mais presente.

Em um conjunto de 174 páginas, com onze contos, o que abre a publicação “Suíte carioca” tem sessenta páginas, quase um terço do livro, que comporta ainda outros nove. É um conto espaçado, que refaz toda a vida de um bom “vivant” carioca, no melhor estilo que o estereótipo comporta. Pretendo fazer um estudo relacional entre os contos “Um assassino” e “Suíte carioca”, por ora não adianto mais nada.

Desde criança meu pai me fez corintiano e um primo mais velho, apaixonado pelo Botafogo, me trouxe a possibilidade de amar a dois clubes com igual intensidade. Lembro do jogo em que a fiel invadiu o Maracanã para enfrentar o Fluminense naquele clássico na história do futebol brasileiro. Rivelino é apenas um dos elementos que ligam os dois contos, os dois livros, o resto fica para depois….

 

REFERÊNCIAS

MARINS, Álvaro. Suíte Carioca e outros contos esquisitos. Rio de Janeiro: Graphia, 2020.

Marins, Álvaro. a mulher do fuzileiro e outras quase histórias. Rio de Janeiro: Língua geral, 2016.

 

 

 

 

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Ao completar vinte anos da publicação de meu primeiro romance, fecho a trilogia prometida com este volume. Penso que esse tempo foi uma graduação na arte de escrever narrativas mais espaçadas, a que se atribui o nome de romance. Matrinchã do Teles Pires (1998), Flor do Ingá (2014) e Chibiu (2018) fecham esse compromisso. Está em meus planos a escritura de um livro de ensaios em que me debruço sobre a obra de Ana Miranda, de Letícia Wierchowski e Tabajara Ruas; o foco neste trabalho é a produção literária e suas relações com a historiografia oficial. Isso vai levar algum tempo, ou seja, no mínimo uns três ou quatro anos. Vamos fechar então com 2022, antes disso seria improvável. Acabo de lançar Gênero, Número, Graal (poemas), contemplado no II Prêmio Mato Grosso de Literatura.

3 Comentários

  1. Fico muito feliz que o talento do Álvaro seja reconhecido. O livro é realmente de leitura deliciosa. Gostaria de deixar registrado aqui que a arte utilizada para essa matéria é minha. Foi criada por mim para a entrevista que fiz com Álvaro no meu canal YouTube “cultour musica”. Eu teria autorizado com muito prazer se tivessem me pedido. Gostaria somente que meu nome fosse citado.

  2. Tatiane, editei essa matéria e errei em não lhe procurar, peguei a imagem do Youtube, na pressa não consegui checar autoria. sem perdão! mil perdões, eu lhe peço. já adicionei seu nome como autora da arte: é isso, crédito é sagrado!

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