Entrevista com Jimi Moraes da banda Branco ou Tinto que atualmente está radicada em São Paulo, mas que começou sua carreira em Cuiabá num momento em que a cena roqueira estava bastante fértil. Indicada ao Prêmio Dynamite como Melhor Lançamento de Rock na cena independente. BOT trilha com bastante empenho essa estrada rock’n roll.
Jimi, você viveu um início de carreira com a banda Branco ou Tinto de forma intensa em Cuiabá, como você define aquele momento?
Olá Eduardo, agradeço o espaço para poder falar um pouco sobre meu trabalho e da banda Branco Ou Tinto.
Você mencionou que foi intenso, e isso define perfeitamente. Aprendi muito, sofri, chorei, sorri, caí, venci… foi de tudo um pouco. Uma escola pra vida toda, recheada de momentos memoráveis que sempre levo comigo com muito carinho. Em Cuiabá, aprendi a tocar guitarra, a produzir um evento, como gravar uma banda. Tive a oportunidade de conhecer e me conectar com músicos e produtores culturais de vários lugares do Brasil. Foram 7 anos em Cuiabá, onde a banda realizou e participou de muitos shows, e realmente contribuímos ativamente com a cena musical. Só tenho a agradecer, tudo que vivenciei com a banda em Cuiabá. Tanto as coisas boas, como as coisas que não foram tão boas. Afinal, tudo faz parte do aprendizado.
O rock entrou em minha vida com os dois pés na porta da frente, rsrs. Eu tinha 17 anos, acabei descobrindo o Black Sabbath, Pink Floyd, e outras bandas clássicas que foram apresentadas por um amigo da faculdade. É clichê, mas foi bem assim mesmo. Mas te confesso, o que realmente me fez querer ter uma banda foi ouvir a música “Smells Like Teen Spirit”, do Nirvana. Nunca vou esquecer a primeira vez que a ouvi, cara… aquilo foi uma explosão de energia pra mim. Dali em diante, vendi tudo que tinha na época e comprei uma Fender Stratocaster, que tenho até hoje.
Você ainda acompanha a cena rock em Cuiabá? Algum trabalho de Mato Grosso que tenha te estimulado?
Sim, com certeza acompanho. Sigo algumas das novas bandas que surgiram, além das bandas que já conheço de longa data. Também acompanho o que anda rolando nas casas de shows.
Muitas bandas acabaram me influenciando de alguma maneira enquanto estive em Cuiabá. Seja por postura no palco, por profissionalismo, musicalidade, enfim, sempre procurei absorver um pouco de tudo aquilo que eu gostava. Posso citar a Tocandira, Fuzzly, Lynhas de Montagem, Caximir, Macaco Bong, Strauss, Mandala Soul, Tiasques, e bandas do underground que dividi o palco como a Skarros. Realmente, eu poderia citar muito mais bandas aqui. Cuiabá sempre teve excelentes músicos e artistas, e creio que sempre surgirão novas bandas muito boas.
Quais suas bandas prediletas na cena roqueira, de qualquer lugar…
Bom, realmente curto muita coisa. Posso falar o que tenho ouvido ultimamente em minha playlist. Tem Soundgarden, Alice In Chains, Jimi Hendrix, Fuzzly, Full El Cuervo, Os Últimos, Outro Lado (banda muito boa que conheci recentemente), Branco Ou Tinto, Black Sabbath (essa nunca falta, rsrs).
Sempre tocou guitarra?
Não. Comecei por volta dos 19 anos de idade. Aprendi muita coisa sozinho, na curiosidade mesmo, tentando tocar as músicas que eu gostava. Mas minha vida mudou quando conheci o Danilo Bareiro, creio que por volta de 2008. Ele me viu tocar e acreditou em mim, viu potencial no meu trabalho. Fiz algumas aulas com ele no Espaço Silva Freire (que na época era gerido pelo Instituto Mandala), me ensinou a verdadeira estética do rock’n’roll. Mas o aprendizado com ele não parou nessas aulas, em cada show eu aprendia alguma coisa vendo ele tocar. Sou muito grato à ele, e também sou fã do seu trabalho.
Qual seu guitarrista preferido?
Também poderia citar vários, mas o Jimi Hendrix é f***!! Rsrs
Como se deu sua ida para São Paulo? Por quê?
A vinda pra São Paulo foi bem planejada e levou pelo menos 2 anos para ser concretizada. Na época, nos organizamos muito bem, guardamos dinheiro, compramos uma Doblô para circular com a banda. Enfim, não foi nada feito na loucura.
Nós pensamos muito antes de tomar esta decisão, e na época nós pensamos que isso seria o melhor para nossa carreira. Já havíamos realizado muito em Cuiabá, era hora de buscar novos horizontes. Então, partimos no final de 2014.
Como foi sua chegada em Sampa?
Como todo começo, foi árduo. Em São Paulo as coisas são muito diferentes de Cuiabá, e até mesmo para alugar uma casa foi bem complicado. Mas depois que conseguimos nos instalar, as coisas foram acontecendo. Ainda com a formação que saiu de Cuiabá, fizemos mais de 60 shows entre 2014 e 2015. Tocamos em vários lugares do Brasil e inclusive participamos da Virada Cultural Paulista.
Infelizmente, conviver todo mundo dentro da mesma casa gerou conflitos, que vieram a rachar aquela formação. Além das dificuldades da convivência, a distância de casa, dos familiares e amigos, também pesou na decisão que tomamos de nos separarmos naquele momento. Os dois antigos integrantes voltaram para Cuiabá, e eu fiquei em São Paulo.
Mais uma vez, tive que recomeçar. Foi difícil, mas consegui dar a volta por cima.
O Brunno Negrão, que é o baterista, eu conheci nos palcos. Ele também toca em uma banda chamada Senoma, e tivemos a oportunidade tocar em vários shows juntos. Ele sempre fala que é muito fã da Branco Ou Tinto, e eu, sempre adorei ver o Brunno tocar. Ele tem muita energia e passa isso no palco. Convidei, e ele aceitou de pronto.
Depois disso, nossa busca foi por um baixista. No final de 2015, contratamos um baixista freelance para nos acompanhar em alguns shows e ele nos apresentou o Dean Carlos, que assumiu o posto e inclusive fez alguns shows conosco em Cuiabá naquela época. Dean, é da Bahia e decidiu retornar pra sua terra assim que voltamos da turnê em Cuiabá no ano de 2016.
No final daquele ano, eu estava buscando um novo baixista em grupos no Facebook e me deparei com o vídeo de um maluco tocando muito no baixo, rsrs. Foi assim que conheci o Welton Chigeta, comecei a trocar ideia com ele e mandei o primeiro álbum da banda pra ele ouvir. Ele curtiu muito, e aceitou meu convite. Nosso primeiro ensaio juntos foi em janeiro de 2017, desde então estamos com esta mesma formação.
Em minha opinião, mesmo com a nova formação não perdemos a identidade, apenas ficou diferente. O Brunno trouxe uma simplicidade que deixou as músicas mais acessíveis, e o Chigeta tem uma vasto conhecimento harmônico, que trouxe arranjos belíssimos nos graves.
Quem compõe na BOT? Você é a BOT?
As composições iniciais, são minhas. Costumo compor as letras e levar o esqueleto da música para o estúdio com a banda, para juntos construirmos os arranjos. As músicas do álbum “Passageiro Aprendiz” são todas assinadas pela banda.
Posso dizer que sou a chama perseverante da banda, mas não sou a banda em si. Cada integrante que passou por ela, faz parte dela. Cada um contribuiu um pouco para construir essa história, e também para a construção de nossa identidade musical.
Como a banda reagiu à situação de pandemia?
Uau! O que dizer sobre a pandemia? Travou todos nossos planos de turnê. Nosso novo disco “Passageiro Aprendiz” ficou pronto em meio à pandemia, disco esse que demorou muito para ser produzido (além das mudanças na formação, nosso produtor passou por diversos problemas pessoais). Não dava mais pra segurar. Então, decidimos lançar. Creio que foi uma decisão acertada, pois isso manteve nosso trabalho em movimento durante a pandemia, porém a turnê para divulgar o novo disco não aconteceu.
Como comentei, ter lançado o novo álbum durante a pandemia nos manteve em movimento. Com isso veio também a adaptação com o formato das lives. Nossa primeira live, foi no Estúdio Show Livre. Foi muito estranho tocar sem o calor do público, enfrentamos problemas técnicos que prejudicaram a apresentação, mas valeu demais por ter sido nossa primeira experiência com lives. Também gravamos e lançamos recentemente o novo videoclipe com a faixa-título “Passageiro Aprendiz”. Enfim, estamos conseguindo manter nosso trabalho em movimento mesmo com as dificuldades da pandemia. Fizemos mais uma live no final do ano passado e estamos preparando mais uma no formato acústico para muito breve.
Você consegue viver só de música? Como monetiza?
Infelizmente não consigo viver somente de música, mas felizmente ela compõe boa parte de minha renda, já que também sou produtor musical. Com isso tenho a oportunidade de trabalhar com música também fora da banda, produzindo outros artistas, ou até mesmo trilhas sonoras. Também me aventurei na produção de músicas infantis, e tem dado certo.
A monetização das músicas na internet gera um valor muito simbólico. Temos que buscar outras alternativas para gerar renda com nosso trabalho. Atualmente, por exemplo, estamos negociando a venda de uma live que temos pronta, para ser exibida no canal de uma casa de cultura. É um exemplo do que pode ser feito para gerar renda com a música autoral, mas claro, envolve produção.
Qual a saída para o músico brasileiro?
Essa pergunta é bem difícil, pois o que deu certo para um, pode não dar certo pro outro. Para mim, a saída foi investir também na minha carreira de produção musical.
Ter recebido a indicação ao Prêmio Dynamite foi muito significativo pra mim, fiquei muito feliz de verdade. Enfrentei muitas dificuldades desde que saí de Cuiabá, tive que me virar sozinho aqui quando os antigos integrantes decidiram ir embora. Foi muito difícil começar tudo novamente, fui muito criticado e julgado por várias pessoas simplesmente porque a formação da banda mudou.
Então pra mim, esta indicação é a recompensa por todo o trabalho duro, por todo suor, e por todas as lágrimas que derramei nesses anos até conseguir finalmente lançar o álbum.
Nosso álbum foi selecionado dentre centenas de outros trabalhos, e isso é sinal de reconhecimento. Não importa o que digam. Mesmo que nós não levemos o prêmio, a indicação por si só já é uma vitória.
O rock tem futuro?
Sim, o rock tem futuro e também está muito presente. Quem fala que o rock no Brasil morreu, é porque nunca ouviu Branco Ou Tinto, rsrs. O problema é que muita gente se prende em bandas clássicas e não tem a cabeça aberta para conhecer novos trabalhos, sempre vai ficar fazendo comparativos que nem se quer tem algum sentido. Estamos em 2021, e não estamos mais em 1969 ou 1970. A música hoje é outra, o mundo hoje é outro.
Agora, se você me perguntar se tem espaço na grande mídia, ou em grandes estúdios. Acho que nunca mais será como foi nos anos 80/90 no Brasil, mas quem sabe algum dia, sempre há uma pontinha de esperança.
Excelente trocadilho, rsrs. Sim! Estamos vivendo tempos muito difíceis, e qualquer forma de arte salva vidas. Nossa música traz um pouco de alegria para ajudar a lidar com tudo isso, e também acredito que traga um pouco de reflexão nas letras.