Eliete Borges

O dia começa com uma massagem cardíaca de emergência na pia da cozinha. Primeiro uso as mãos como me ensinaram nos primeiros socorros, afinal, nunca se sabe quando, de uma goiabeira um anjo vai despencar, quebrar o braço, ficar sem pulso e exigir de você aquele sangue frio, o mesmo de quando ele frente a frente te exige um duelo… mas agora é diferente… penso impulsionando as mãos com força e ritmo, é diferente: narcisismo zero, cara de deboche desfeita, nada daquele tom desafiador, de voz sarcástica na pausa, daquela força que a ironia bota em seu olhar… espero reação enquanto olho pra esses olhos fechados, tudo desapareceu e eu peço com desespero para ter de volta aquele arrogante narcisista, com sua inconsequência sedutora, quase um estilo. Não tem jeito, chega a ambulância, paramédicos devem ter maior poder que o meu. Entubam. Minha pia continua entupida e corro até a loja.

Mautner canta na minha cabeça “Sirene da Ambulância”. Fixo meu olhar naquelas luzes e a sirene é o próprio pulso do meu coração. Nunca dirigi tão bem. Subo cinco rampas gigantes correndo, chego esbaforida, vermelha, boca seca, tremendo as mãos e ouço do médico que me barra: vai ter de trocar o sifão e trocar a válvula. O cano da parede está obstruído. Tá… entendi. Vai ser tudo feito agora, amanhã às 10 é o horário de visitas.

Mas e aí? A pia vai funcionar?

Corro até a loja, compro o sifão, corto pedaços que não se encaixam passo veda rosca, essa não… tento conservar a válvula, mas não dá, pinga água, a água escorre em minhas mãos, corro enlouquecidamente, nunca dirigi tão bem, corro e consigo a válvula. Tiro o sifão novamente, o cano que está entupido… um fio fino, nem tão flexível ao ponto de se dobrar e ser ineficaz, nem tão rígido a ponto de perfurar, um fio que saiba exatamente das suas controvérsias, um fio que entenda de sua anatomia incerta, frágil, decidida, autoconfiante, em suma: contraditória, um maldito fio controverso! Maldita curva, vamos lá! Vamos, vamos! Respiro.

Deu certo, o fio perfeito vai e volta, sinto remexer a sujeira enquanto injeto direto e com pressão dentro do cano 2 litros d’agua, um barulho, mais água, o fio desliza agora sem dificuldade, limpo limpo limpo, está limpo! enfim respiro limpo, limpo…

coloco a válvula, aperto-a por baixo, encaixo o sifão nela, depois na parede, ligo a torneira…

a água jorra, escorre, flui, leva, lava…

10:00 da manhã, de 9 de junho – estabilizado –

Eliete Borges  – Cuiabá 08 de Junho de 2021

 

 

 

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