Talvez minhas lembranças fiquem armazenadas aqui e nada mais. Bytes e bytes de uma existência líquida, de uma pessoa que se espelha nessa tela e só vive aqui, fixada nessa nuvem de dados. Arrasto o sentido de ser para dentro de um aparelho celular. Estou presa nessa minúscula caixa que armazena tudo aquilo que se diz minha vida: meus contatos, meu e-mail, minha conta bancária, meus documentos pessoais, meus projetos, minhas fotos, meus vídeos, meus áudios, minhas conversas infinitas.

Tudo armazenado nesse pequeno pedaço de pedra que repousa em minhas mãos. Meus dedos ágeis seguem a velocidade do fluxo de pensamento que despejo nesse vidro. Há sempre fagulha para despertar o desejo, o movimento, o impulso. Há sempre algo que nos tira do sono, da inércia, da fantasia. Um som que toca, uma mensagem que chega, você que atravessa a porta e vai embora.

É quando eu mais quero e preciso dizer que me encontro sem palavras. Elas me escapam e emudeço. Estou tão viva quanto o sinal do meu celular e minha internet me permitem. Estou conectada a essa rede wifi e não divido minha senha com mais ninguém.

Não escuto as batidas na porta. Você não veio. Aquela ideia fixa e boba de que você viria e me surpreenderia, que me faria uma surpresa. Você não veio. Você não vem. Não vou atender o interfone e escutar o porteiro dizer seu nome. Você nem sabe meu endereço.

Uma data que se perde na folha do calendário. Um sorriso seu que não me pertence. Você não vai dizer no meu ouvido que me ama e sente saudades. Eu não vou responder que queria que dormisse na minha cama para sempre. Você não vai me abraçar apertado e olhar nos meus olhos enquanto mexe no meu cabelo.

Essa mensagem se perdeu em algum algoritmo, dentro de uma garrafa, em um oceano de fibra ótica. Eu me afogo tentando te buscar. Para que preciso de um aparelho que guarde tudo sobre mim? O que eu realmente quero não está na minha caixa de entrada. E nem posso alcançar com um simples toque.

O que eu realmente quero não há distância física que a tecnologia encurte. Nessa equação, perdemos nós dois. Perdemos porque sabemos o quanto ganhamos naquelas noites e dias de sorrisos perdidos.

Eu vou lembrar de você entrando por aquela porta. Eu vou lembrar de você saindo e olhando para trás. Eu vou lembrar de você indo embora.

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Marianna Marimon, 30, escritora antes de ser jornalista, arrisco palavras, poemas, sentidos, busco histórias que não me pertencem para escrever aquilo que me toca, sem acreditar em deuses, persigo a utopia de amar acima de todas as dores. Formada em jornalismo (UFMT) e pós-graduação em Mídia, Informação e Cultura (USP).

3 Comentários

  1. Marianna que belo texto, que forma linda de mostrar, de que , nós humanos precisamos do que é humano, mas ficamos na dependência do que não é! Guardamos tudo dentro desta caixa, perdemos muito tempo com esta caixa na mão, e na realidade o que está na mão ou melhor no chão são os nossos corações e nossas almas. Parabéns mais uma vez, tão jovem é tão talentosa!
    Eu Sou Sheila, do Rio de Janeiros , que estava a passeio , que te “encomendei”, no seu almoço,em São Paulo, devido o livro da Isabel Allende ( Longa Pétala de Mar), que se encontrava em sua mesa! Estou adorando o Cidadão Cultura
    Um grande abraço
    Sheila Rosa

  2. Li de novo e fiquei muito mais tocada que na primeira leitura. Lembrei de quantas vezes deixei para amanhã e o “amanhã” chegou tarde demais.

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