Claudio de Oliveira
A senhora era uma gigante. Um farol. Uma leoa. Não era do tipo morno, que aceita a injustiça, que se acomoda, que se adapta às circunstâncias. A senhora era fogo. Era grito. Era uma luta incansável em favor dos mais vulneráveis. Em favor da cultura. Sempre foi inspiradora.
Estudiosa. Culta. Conhecia a América Latina e todos os seus mitos e heróis. Navegava por sua história e geografia como poucos no mundo. Deixa-nos um legado extraordinário, seu livro: “América e os guardiões das culturas autóctones” é rico e inspirador. Mostra a luta e a potência de uma América que resiste. Queria tanto ter te contado que uma indígena Mapuche foi eleita presidente da Assembleia Constituinte no Chile… Mas não pude. Ficou para depois e o depois muitas vezes não existe. O tempo passa e a gente não percebe como as coisas mudam rápido. Espero que alguém tenha lhe dado essa notícia para que pudesse sorrir.
Entre as suas histórias de vida, uma sempre lembro e conto e reconto. Quando a senhora deixou o hábito de freira e, segundo meu pai, chegou Hippie no aeroporto de Cuiabá. Meu pai me falou que Vovó Maria Benedita (sua irmã) fez uma cara que ele jamais esquecerá.
Você viajou a América Latina toda. Foi no trem da morte em busca do líder do Sendero Luminoso para entender a ideologia daquele grupo, considerado por muitos, terrorista. Viajou e se apaixonou em Cuba por um coronel reformado cubano, Andrés, um anjo em sua vida que partiu antes de você e com a benção de Deus deve ter vindo te buscar. O céu está em festa e a senhora descansada e alegre já deve saber.
Foi uma das fundadoras da UFMT, professora de história que inspirou tantas pessoas que nem dá para contar. Fundou o Núcleo de Documentação e Informação Histórica Regional da UFMT, o NDHIR, que é importantíssimo para as pesquisas. Fundou o Cineclube Coxiponés, o Museu da Arte e Cultura Popular – MACP, foi uma das maiores responsáveis pela valorização da cultura cuiabana, do São Gonçalo Beira-rio. Tinha um projeto, aliás, de tornar o São Gonçalo um museu a céu aberto, dinâmico e inovador para todo o mundo. Lembro-me de comentar e de discutirmos o assunto. Que pena que não sei onde andam essas anotações.
Você defendia a cultura com a faca nos dentes, certa vez perguntou a uma primeira-dama se ela “peidava” porque ela queria censurar uma peça de teatro infantil que falava “bunda”… Rsrsrs é a sua cara ser reta e direta nos apontamentos.
Vivia durante um tempo da vida metade em Cuba e metade em Chapada dos Guimarães. Era tradutora do Granma cubano. Tradutora das obras do grande poeta e diplomata José Martí as quais me apresentou para o meu deleite.
Doou sua biblioteca em vida para o Instituto Histórico e Geográfico de Mato Grosso do qual foi membro. Não havia um sarau, uma exposição, um evento cultural que não se regozijasse com a sua presença. Deixou muitos alunos brilhantes entre eles a Aline Figueiredo que transformou o cenário das artes plásticas de Mato Grosso. Mas eu diria também que não dá para pensar Dante de Oliveira sem pensar em Therezinha Arruda. Sua visão apaixonada de mundo com certeza o inspirou nessa luta eterna por justiça social, por um mundo melhor.
A senhora negava a Europa, dizia que não iria pisar lá para ver as obras e tesouros roubados da gente. É Therezinha nunca foi morna, era quente, um vulcão em erupção. Todavia depois da publicação do seu livro passou a enfrentar os desgastes do corpo físico devido a idade e isso devia te deixar extremamente triste.
Agora tia, descanse, a senhora deixou tantas sementes nesse mundo que tenho certeza que se hoje ainda precisamos melhorar muito, a senhora deu uma contribuição muito grande para evitarmos a barbárie. Fique com Deus e com seu amado Andrés, um dia nos encontraremos de novo. Te amamos.