*Por Bruno Pini
Não sei quais foram as reais razões que me levaram a dedicar parte do meu tempo à reflexão sobre o chamado “Programa Escola sem Partido”, fundado em 2004 pelo advogado Miguel Nagib. De quando em quando, tenho observado, na “linha do tempo” das minhas redes sociais, mais uma batalha simbólica – desta vez travada no campo na educação (campo este certamente contaminado pelo acirramento político no qual o país está mergulhado). Recentemente, uma entrevista (o assunto é tratado a partir de 45min44) concedida pelo historiador Leandro Karnal para o programa Roda Viva, da TV Cultura, talvez tenha contribuído também para esse “despertar” sobre o tema.
Em linhas gerais, após uma leitura minuciosa do portal escolasempartido.org, pude extrair que, o movimento, composto por pais e estudantes de diversas partes do país, pretende denunciar uma suposta “doutrinação ideológica” que vem sendo praticada, por todo o Brasil, na “imensa maioria das escolas e universidades brasileiras”. A afirmação está respaldada em algumas denúncias feitas pelas redes sociais e em uma pesquisa de 2008 CNT/Sensus. No campo “objetivos”, o movimento revela sua finalidade: dar fim à “instrumentalização do ensino para fins políticos, ideológicos e partidários”. Fica evidente a crítica a autores e partidos políticos considerados, genericamente, de esquerda. Os membros do EsP (sigla pela qual o movimento também é conhecido) dizem ter a clareza de que “o conhecimento é vulnerável à contaminação ideológica e que o ideal da perfeita neutralidade e objetividade é inatingível”. Mas que, como todo ideal, ele pode ser perseguido.
O tema tem movimentado grupos diversos da sociedade brasileira, especialmente por tramitar, no Congresso Nacional e nos legislativos estaduais e municipais, projetos de lei que, na opinião dos críticos, irão consolidar um atentado à liberdade de expressão dos professores dentro das salas de aula. A polêmica maior gira em torno do PL 867 de 2015, que torna obrigatória a afixação, em todas as salas de aula do ensino fundamental e médio, de cartaz com uma lista de “deveres do professor”. Entre eles, “o professor não se aproveitará da audiência cativa dos alunos para promover os seus próprios interesses, opiniões, concepções ou preferência ideológicas, religiosas, morais, políticas e partidárias” (dever 1). No 4º dever, “ao tratar de questões políticas, socioculturais e econômicas, o professor apresentará aos alunos, de forma justa – isto é, com a mesma profundidade e seriedade -, as principais versões, teorias e opiniões e perspectivas concorrentes a respeito”. A proposta legislativa 867 de 2015 inclui o “Programa Escola sem Partido” entre as diretrizes e bases da educação nacional.
A aparente neutralidade do exercício do magistério, como propõe a medida legislativa, pode levar, no dia a dia da sala de aula, a situações absurdas de relativização, como exemplifica o professor do Instituto Sidarta e autor de livros didáticos, José Ruy Lozano, em artigo publicado no portal do jornal espanhol El País. “Num exercício de reductio ad absurdum, imaginemos o professor de literatura brasileira apresentando aos alunos do Ensino Médio o poema narrativo O navio negreiro, de Castro Alves. Se o poeta toma partido dos escravos e critica a economia que engendrou o trabalho servil, logo teríamos os “apartidários” defendendo a discussão do outro lado: “Seria preciso ouvir a voz dos senhores, senão estaremos tomando partido em nossas aulas!”. Para Lozano, não há possibilidade de “trabalhar com a literatura numa escola pretensamente neutralizada de qualquer questionamento histórico, político, social ou comportamental”.
Com a tentativa de respaldar sua concepção de ambiente ideal de sala de aula, Miguel Nagib incorre em um erro incontornável – o de referendar o objeto de sua crítica. Explico: Max Weber descreveu o ambiente escolar de sua época, ainda vigente em muitas escolas do país, que, no entanto, contraria os princípios suspostamente defendidos pelo EsP de uma escola em que resida a pluralidade de ideias. É defensável, no atual estágio da humanidade e do desenvolvimento tecnológico – com o amplo acesso que as crianças e jovens têm à informação – a ideia de que os estudantes sejam “condenados ao silêncio” e que o dever do professor é a mera “transmissão do conhecimento”?
A minha conclusão é semelhante à do historiador Leandro Karnal, de que o professor/educador é aquele que constrói pontes, auxiliando o estudante a atravessar o árduo percurso da leitura e interpretação dos principais pensadores e teorias já produzidas pela humanidade. Em uma aula sobre política, por exemplo, o professor que deseja ver seu aluno “caminhar com as próprias pernas” deveria estimular a leitura e o debate franco de pensadores como Karl Marx e John Stuart Mill. A ressignificação dessas leituras caberia, exclusivamente, ao estudante. Assim como em todos os aspectos da vida, o magistério, no meu entendimento, deve ser fundamentado no respeito ao outro. E o respeito ao outro só se concretiza quando eu abro mão das minhas verdades absolutas.
*Bruno Pini é jornalista, radialista, fotógrafo, polemista e escreve suas opiniões nas horas (pouco) vagas.